Topiramato – DROGA para Enxaqueca
O topiramato (principais nomes fantasia: Topamax, Egide, Amato, Toptil, Topit), tem sido o remédio mais prescrito para prevenção de enxaqueca, desde o seu lançamento no Brasil em 2003.
Infelizmente, a meu ver, o topiramato não é, nem jamais poderá ser, a resposta que a maioria dos sofredores de enxaqueca anseia. Ele pode ser um recurso útil apenas e tão somente para uma pequena minoria deles.
Em primeiro lugar, é bom esclarecermos que o topiramato é um remédio que foi originalmente descoberto, patenteado e registrado como sendo para epilepsia, não para enxaqueca. Pesquisas posteriores acabaram revelando que esta droga possuía a capacidade de diminuir a frequência das crises de enxaqueca em uma certa porcentagem de seus usuários. Mais uma vez, a enxaqueca “pega carona” em alguma droga de outra especialidade. A mesma história que ocorreu com antidepressivos, remédios para pressão, coração, circulação, antialérgicos etc, está ocorrendo com alguns remédios para epilepsia, dentre os quais o topiramato.
Ocorre que para a indústria desenvolver e estudar remédios preventivos específicos apenas para enxaqueca, os custos seriam muito altos em comparação com os benefícios. Digamos assim: desenvolver um remédio preventivo exclusivamente para enxaqueca não parece ser um negócio rentável.
A consequência é que os pacientes e seus médicos simplesmente acabam tendo de se virar com o que tem por aí. O fato de um remédio para epilepsia funcionar também na enxaqueca, indica que esta droga “atira para todos os lados”. Acerta o alvo da epilepsia e, em alguns casos, o alvo da enxaqueca. O problema de se “atirar para todos os lados” é que pode-se acabar por atingir, também, alvos totalmente inocentes. E aí aparecem os temíveis efeitos colaterais.
O topiramato, como eu disse, pode ser útil em alguns casos, mas infelizmente este benefício, quando ocorre, pode vir acompanhado de desagradáveis efeitos colaterais. O topiramato pode aumentar significativamente as chances de desenvolver pedras nos rins. Pode interferir com a função mental, provocando lentidão psicomotora, dificuldade de concentração, nervosismo, agressividade, anorexia, formigamentos, depressão, fala “arrastada”, dificuldade de se lembrar das palavras, distúrbios da atenção, sonolência e fadiga. Interfere negativamente no efeito da pílula anticoncepcional. O topiramato pode interferir na ação de outras drogas que o indivíduo já esteja tomando, como calmantes, alguns diuréticos, outros antiepiléticos e a pílula anticoncepcional.
Se a administração de topiramato for interrompida bruscamente, podem ocorrer convulsões mesmo em quem nunca sofreu de epilepsia na vida. Portanto, essa droga deve ser descontinuada gradualmente, especialmente quando as doses forem altas.
“–Ah, mas se pelo menos o topiramato acabasse de vez com a enxaqueca, será que mesmo assim não valeria a pena?”
O topiramato, segundo um estudo amplamente divulgado pelo seu fabricante, conseguiu reduzir uma frequência média anual de 5,4 para 3,3 enxaquecas por mês, quando numa dose de 100 mg ao dia. Para mim, esse resultado não é impressionante o suficiente para expor todos os meus pacientes, em massa, aos desagradáveis efeitos colaterais.
Com tantas ressalvas, talvez alguns de vocês vocês possam estar imaginando que eu sou contra remédios, e particularmente contra o topiramato. Mas não é assim.
Eu não sou contra o topiramato. Eu inclusive já o receitei a alguns dos meus pacientes no passado. A minha crítica é a falta de divulgação adequada dos possíveis efeitos colaterais e, principalmente, ao abuso na prescrição deste e de outros remédios.
As drogas devem ser prescritas e tomadas conscientemente. Elas podem melhorar apenas os sintomas, porém jamais atuam na causa da doença.
Na minha opinião, o controle da enxaqueca se obtém através de uma ação conjunta envolvendo mudanças de hábito alimentar, de sono, de exercício e, quando necessário, também remédios (que em alguns casos podem até ser o topiramato). Escrevi extensamente sobre isso no meu livro, cuja leitura sugiro e recomendo enfaticamente.
Topiramato e Sensacionalismo na Impresnsa
À época do lançamento do Topiramato, a revista Veja, em sua edição nº 1809 de julho de 2003, apontou o medicamento como “uma das novidades mais promissoras na prevenção da enxaqueca” (página 86). A eficácia estrondosa atribuída, pela matéria, à droga, baseou-se em um único ensaio clínico envolvendo apenas 180 probandos. Uma única publicação, com resultados excessivamente positivos, transformou-se na legitimação total e absoluta do medicamento para a matéria! Ao contrário do esperado para qualquer trabalho jornalístico digno de credibilidade, nenhuma publicação com resultados contraditórios foi mencionada. Embora a revista não tivesse citado um adversativo sequer ao produto, na verdade eles existem? Como afirmei acima, o Topamax não é, nem jamais poderá ser, a resposta para a enxaqueca na massa populacional. Ele é útil apenas para uma minoria.
Miopia aguda e glaucoma
Em 26 de setembro de 2001, o FDA (Food and Drug Administration) emitiu um Important Drug Warning sobre o topiramato e sintomas de diminuição da acuidade visual, miopia e glaucoma (elevação da pressão da câmara anterior do olho), com início, tipicamente, no primeiro mês de tratamento – inclusive em casos pediátricos. As pesquisas no Instituto Oftalmológico Bascom Palmer, da Faculdade de Medicina da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, publicadas no prestigioso American Journal of Ophtalmology 132(1): páginas 112 a 114, concluem que o topiramato pode causar descolamentos ciliocoloroidais e edema do corpo ciliar, com conseqüente deslocamento anterior do diafragma iridocristalino e glaucoma.
Anorexia
O topiramato emagrece? Algumas matérias na impresnsa fazem o tratamento com a droga soar como um passeio no parque, algo como leve um remédio e ganhe dois benefícios. Informações assim são simplistas e parciais, pois perda de peso pode não ser um efeito benéfico e sim um efeito perigoso para a saúde do paciente, conforme você lerá mais adiante. Pensando na vaidade das mulheres, a perda de peso pode ser um efeito benéfico, mas é preciso averiguar em que termos essa perda ocorre, já que segundo a própria bula em inglês, um dos efeitos colaterais é a anorexia, e anorexia não é saudável: é uma doença. A médica e pesquisadora Linda Carpenter e colaboradores, do Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano da Brown University School of Medicine, conclui em seu trabalho, publicado em maio de 2002 no Journal of Affective Disorders 69(1-3): páginas 251 a 255: ‘…é preciso monitorar cuidadosamente [não apenas] o peso [mas também] os efeitos colaterais’ (‘close monitoring of weight and adverse effects is warranted’).
Sintomas neuropsiquiátricos e suicídio
Ainda nos idos de 1999, a revista Seizure 8(4) publicava, às páginas 235 a 237, o artigo Acute Psychotic Symptoms Induced by Topiramate (tradução: Sintomas Psicóticos Induzidos Pelo Topiramato), resultado de pesquisas do Centro de Epilepsia do Departamento de Neurologia da Universidade do Alabama. Nele, lê-se: “Os médicos devem estar conscientes da possibilidade de sintomas psicóticos, mesmo em pacientes sem qualquer história psiquiátrica, quando prescreverem topiramato“.
Segundo as estatísticas oficiais, o uso de topiramato pode provocar pensamentos suicidas em 1 a cada 500 indivíduos.
Outros sintomas de natureza neuropsiquiátrica que o topiramato pode ocasionar ou agravar, segundo o FDA, são:
- Depressão;
- Ansiedade;
- Pânico;
- Agitação;
- Insônia;
- Irritabilidade;
- Agressividade, raiva, comportamento violento;
- Ações por impulsos perigosos;
- Outras modificações do humor fora do usual.
Declínio da memória, atenção e fluência das palavras
Em Neurology52(2): páginas 321 a 327, de 15 de janeiro de 1999, lemos: “…o grupo do topiramato apresentou declínio seletivo, estatisticamente significativo, nas medidas de atenção e fluência das palavras…”.
Num trabalho publicado na revista Epilepsia, órgão oficial da International League Against Epilepsy, em seu Volume 44, Suplemento 4, páginas 21 a 29, o eminente Professor Dr. Albert P. Aldenkamp, de epileptologia, do Hospital Universitário de Maastricht (Países Baixos), chefe do Departamento de Pesquisa Comportamental e Serviços Psicológicos, chefe do Programa Neurológico para Crianças com Dificuldade de Aprendizado do Centro de Epilepsia Kempenhaeghe da Universidade de Amsterdam, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Comportamentais da mesma Universidade, e professor visitante do Departamento de Neurologia da Universidade de Liverpool (Reino Unido), e que ocupou o cargo de Secretário Geral do Comitê Científico do 2o Congresso Europeu de Epileptologia, escreveu, juntamente com outros dois colaboradores, as seguintes palavras sobre o topiramato: “existem evidências claras de que este agente afeta a função cognitiva, com efeitos específicos na atenção e função verbal” (“there is clear evidence that this agent does affect cognitive function, with specific effects on attention and verbal function“).
Diminuição do efeito da pílula anticoncepcional
O topiramato interfere negativamente no efeito da pílula anticoncepcional – A importante advertência encontra-se não apenas no trabalho da Professora Pamela Crawford, do Centro Especial para Epilepsia do Departamento de Neurociências do Hospital Distrital de York (Reino Unido) [Interaction Between Antiepileptic Drugs and Contraception. CNS Drugs 16(4): 263-272, publicado em 2002], mas também na bula do próprio remédio em português!
Topiramato na gravidez e malformações no bebê
Não contente de diminuir a eficácia da pílula anticoncepcional, o topiramato, usado na gravidez (inclusive bem no início, antes mesmo de saber que está grávida) faz com que a mulher corra o risco de dar à luz uma criança com problemas de lábio leporino e/ou pálato fendido, segundo alerta do FDA norteamericano. Ao ser administrado para ratas grávidas, provocou o aparecimento de malformações no crânio e na face dos ratinhos-bebês, além de uma redução no peso e no processo de ossificação dos fetos.
Apesar desse risco, o FDA afirma que o uso do topiramato na gravidez pode ser aceitável, dependendo da gravidade do caso. O FDA não proíbe o uso de topiramato na gravidez, mas recomenda: “Toda mulher em idade fértil deve conversar com seu médico sobre a possibilidade de outros tratamentos ao invés do topiramato.“
Pedras nos Rins
O jornal alemão Therapeutische Umschau, volume 57, número 3, páginas 138 a 145, traz a estatística da incidência de cálculos renais na população em geral: 0,1 a 0,4%, ou seja, 1 a 4 pessoas em cada mil. Já em contrapartida, um e meio por cento das pessoas que tomam topiramato desenvolvem pedras nos rins. Esta importante estatística encontra-se não apenas no Canadian Journal of Neurological Sciences (órgão oficial da Canadian Neurological Society, Canadian Neurosurgical Society, Canadian Society of clinical Neurophysiologists e Canadian Association of Child Neurology), de agosto de 1998, volume 25, número 3, páginas S13 a S15, no trabalho de revisão intitulado Topiramate – Safety and Tolerability, mas também na própria bula do remédio em inglês.
Acidose metabólica
O topiramato pode aumentar a acidez do sangue (acidose metabólica). A acidose metabólica pode provocar as pedras nos rins citadas acima, além de sintomas como:
- Perda do apetite (anorexia);
- Sensação de cansaço, fadiga, falta de energia;
- Diminuição da clareza do pensamento;
- Osteoporose;
- Retardo do crescimento em crianças;
Relação Custo Benefício?
O mais impressionante, e realmente digno de nota, é que o preço de uma caixinha de Topiramato de marca, do fabricante original que primeiro desenvolveu a droga, com 60 comprimidos de 100 mg, cotado em uma grande rede de farmácias de São Paulo, em março de 2016, foi de R$ 403,73 – e este preço aparece como sendo com desconto, sobre o preço original de R$ 517,60. Alguns pacientes precisam tomar até dois comprimidos ao dia.
Pesquisadores do Headache Wellness Center da Carolina do Norte, em seu artigo Cost-Effectiveness of Antiepileptic Drugs in Migraine Prophylaxis (tradução: custo-eficácia de drogas antiepilépticas na profilaxia da enxaqueca), publicado na revista Headache de novembro/dezembro de 2002, volume 42, número 10, páginas 978 a 983, concluem: “para a prevenção da enxaqueca, o divalproato de sódio demonstrou eficiência de custo a partir de 10 crises mensais prevenidas, enquanto que a gabapentina e o topiramato requereram consideravelmente mais enxaquecas ao mês para serem consideradas eficientes em custo”.
Conclusão:
A OMS reconhece: a enxaqueca é um grande problema de saúde pública. Não devemos reduzir a divulgação de tratamentos para enxaqueca a níveis superficiais e meramente cosméticos, como fazem os meios de comunicação em massa. O tratamento de enxaqueca é um assunto de gravidade e profundidade muito sérios à saúde da nação brasileira. O topiramato pode, sim, estar indicado para alguns casos específicos de enxaqueca, porém está longe de ser a primeira e principal opção de tratamento para praticamente todos os casos novos diagnosticados de enxaqueca. O paciente, antes de concordar em iniciar tratamento com topiramato, deve ser informado pelo seu médico e consentir com os principais riscos versus benefícios. Isso se chama consentimento informado, e vale não apenas para o topiramato, mas para qualquer outra droga.
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Dr. Alexandre Feldman, CRM(SP) 59046
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