Ormigrein é Retirado do Mercado – As Lições Que Ele Deixou
A maioria dos brasileiros portadores de enxaqueca conhece, e bem, o Ormigrein. Por muitos anos, o Ormigrein permaneceu como um dos remédios mais vendidos para enxaqueca. De repente, há poucos meses, o Ormigrein foi misteriosamente retirado do mercado sem aviso prévio.
Muitos doentes, sem o Ormigrein com o qual estavam acostumados, passaram a sofrer com dores de cabeça fortes, sem saber o que fazer. A maioria tomava o Ormigrein por conta própria, sem acompanhamento médico.
Meses se passaram e até o momento não possuímos informação se o remédio “morreu” em definitivo ou se ele será “ressucitado” em breve, quem sabe com nome comercial e preço diferentes.
O que podemos aprender com isso?
Em primeiro lugar, podemos testemunhar um exemplo da total falta de consideração por parte da indústria farmacêutica para com os usuários de suas drogas, ao simplesmente retirar do mercado um de seus produtos, sem qualquer aviso. Isso ocorre frequentemente, não apenas com o Ormigrein, mas com várias drogas que simplesmente desaparecem, inclusive drogas utilizadas para a prevenção da enxaqueca, cuja suspensão repentina pode acarretar vários problemas em potencial, além da perda do controle clínico dos sintomas da enxaqueca, com imediato prejuízo na qualidade de vida do paciente.
Em segundo lugar, podemos comprovar quão falsa é a sensação de segurança resultante do aparente controle da enxaqueca conseguido por drogas, isoladamente. Muitos pacientes – e infelizmente muitos médicos – não dão a mínima importância a nada a não ser as drogas no controle da enxaqueca. Pouco ou nada se fala, nem se dá atenção, sobre a importância de adotar mudanças de hábitos e estilo de vida concomitantemente. Se o sofredor de enxaqueca adotasse tais mudanças, conforme descrevo detalhadamente no meu livro, possivelmente não permanecesse a tal ponto refém exclusivo dessas drogas, as quais podem, a qualquer momento, desaparecer do mercado a exemplo do Ormigrein.
Quase ninguém sabe, ou se importa, com o que havia dentro do Ormigrein: ergotamina 1 mg, cafeína 100 mg, paracetamol 220 mcg [microgramas], hiosciamina 87,5 mcg [microgramas] e atropina 12,5 mcg [microgramas].
Minha Opinião sobre a Composição do Ormigrein
Não tenho dúvida que o componente ativo mais importante do Ormigrein é a ergotamina. Na dose de 1 mg, a ergotamina é comprovadamente eficaz contra a dor de cabeça da enxaqueca em boa parcela dos casos. Claro que efeitos colaterais podem ocorrer, sendo que alguns deles podem inclusive ser fatais, por exemplo, espasmo das artérias coronárias, angina, infarto do miocárdio, lesões nas válvulas cardíacas, fibrose retroperitoneal, fibrose pleural, fibrose pericárdica; além de uma série de outros possíveis efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, dores musculares, dores articulares, letargia, formigamentos, dores de cabeça (isso mesmo!), neuropatia periférica, vertigens, tremores, espasmos das artérias periféricas, espasmo das artérias renais acompanhado de insuficiência renal aguda, acidente vascular cerebral, arteriopatia cerebral, trombose venosa, diarréia, entre outros (fonte: drugs.com). A ergotamina também pode causar dependência (clique aqui caso deseje ler mais sobre dependência e efeito-rebote) – e mediante tudo isso, tragicamente, a bula do Ormigrein diz claramente o seguinte absurdo:
Posologia – ORMIGREIN
2 comprimidos, via oral, aos primeiros sinais de uma crise de enxaqueca. Em seguida, 1 comprimido a cada 20- 30 minutos, sendo que a dose máxima diária permitida é de 6 comprimidos. O número de comprimidos ingeridos não deverá exceder a 10 comprimidos por semana
Fonte: bulas.med.br
Ora, a medicina já estabeleceu, há muito, que uma frequência de ingestão de ergotamina, ou outros analgésicos, maior que 2 vezes por semana, não é recomendável pois pode acarretar em fenômeno-rebote, dependência, abstinência e transformação da dor de cabeça em diária, tornando muito mais difícil a resposta terapêutica até mesmo à medicação preventiva.
A cafeína, presente no Ormigrein, é um componente controverso: a cafeína pode ao mesmo tempo ser benéfica e prejudicial; pode ao mesmo tempo tratar e provocar dores de cabeça. A cafeína utilizada em excesso (ou seja, numa frequência diária ou quase diária) pode lever a sintomas de dependência e abstinência, que compreendem dores de cabeça, fadiga, irritabilidade, náuseas e dificuldade de concentração. A cafeína pode causar cefaleia-rebote se ingerida na frequência especificada na bula do Ormigrein (até 10 comprimidos por semana!!!).
Na minha opinião, o paracetamol e a hiosciamina, nas doses minúsculas em que se encontram presentes no Ormigrein, não possuem nenhum efeito benéfico significativo sobre a dor de cabeça. O paracetamol (presente no Tylenol) não costuma ser eficaz contra dor de cabeça da enxaqueca numa dose menor que 500 mg. Já a dose de paracetamol do ormigrein é de apenas 0,22 mg (ou 220 mcg – microgramas), ou seja, 2.272 (duas mil, duzentas e setenta e duas) vezes menor que 1 comprimido de Tylenol DC. Já a hiosciamina é o componente principal do Buscopan. Um comprimido de Buscopan contém 10 mg de hiosciamina, enquanto um comprimido de Ormigrein contém apenas 0,0875 mg, ou seja, 114 (cento e quatorze) vezes menos.
A atropina presente no Ormigrein atua como antiespasmódico e também pode atuar sobre o cérebro. A atropina possui contraindicações em pacientes com pressão alta, glaucoma, problemas de próstata, problemas hepáticos, problemas da tireóide, problemas pulmonares. No livro Migraine – Manifestations, Pathogenesis and Management (Oxford University Press, 2002) o autor, Dr. Robert A. Davidoff se refere à atropina, à pág. 297, como um “placebo com efeitos colaterais”.
Pois bem, aí está o Ormigrein com todos os seus componentes. Ao que parece, o Ormigrein saiu do mercado de forma repentina, sem aviso prévio. Se vai volter ou não, ninguém sabe. O que se sabe é: o “falecimento” do Ormigrein deixou muitos, muitos enxaquecosos sofrendo dos efeitos dolorosos provocados pela abstinência da droga pela qual estavam literalmente viciados e dependentes.
O Lado Bom
O lado bom do desaparecimento do Ormigrein é que muitos portadores de enxaqueca e dor de cabeça que, antes, iam “empurrando com a barriga” sua doença através da automedicação, saíram de sua “zona de conforto” e começaram finalmente a ir atrás de um tratamento médico, na busca do que fazer, uma vez que o Ormigrein não se encontra mais disponível. Com acompanhamento de um médico de sua confiança, certamente seu tratamento será mais eficaz e seguro em comparação à automedicação.
Para complementar, poderiam também seguir as dicas e orientações sobre sono, alimentação e estilo de vida que escrevi, com todo carinho, no meu livro.
E quem sabe, com tudo isso, venham a se aproximar cada vez mais de uma vida saudável e sem dores de cabeça!
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