Escola e Faculdade que Não Aceita Atestado Médico Comete Ilegalidade
Uma paciente minha estava com crise incapacitante de enxaqueca quando me procurou no consultório – ou, melhor dizendo: foi trazida, praticamente carregada para a consulta pelos familiares que a acompanhavam. A dor de cabeça era de intensidade excruciante, em latejamento, envolvendo a cabeça inteira, e era acompanhada de náuseas e vômitos – a paciente, segundo os familiares, havia vomitado no carro, a caminho do consultório, e vomitou duas vezes na minha sala (num recipiente apropriado que é fornecido para essa finalidade), antes que eu pudesse, finalmente, obter uma diminuição de sua dor de cabeça – diminuição ainda que parcial, mas ainda assim suficiente para reduzir a dor de insuportável para moderada. Todos os que presenciamos esse sofrimento ficamos aliviados e felizes com a diminuição na intensidade da dor de cabeça da crise de enxaqueca desta paciente.
A paciente havia se deitado sem dor de cabeça na noite anterior e a crise de enxaqueca se instalara na madrugada, acordando a paciente já com dor de cabeça intensa. Triste e frustrada pela perspectiva de mais um dia perdido e marcado pela dor em sua vida, ela foi se medicando em casa, sem sucesso, sem conseguir comer nada, vomitando repetidas vezes (para quem não sabe, a enxaqueca não é “só” uma dor de cabeça. Entre outros sintomas, podem ocorrer náuseas e vômitos. Leia mais aqui e aqui) e permanecendo deitada e imóvel no quarto escuro, com cortinas e persianas fechadas apesar do lindo dia que estava lá fora.
A mãe da paciente (que precisou faltar do trabalho para acudi-la) levou-a ao pronto-socorro mais próximo, onde, após cerca de 1 hora de espera, recebeu tratamento com injeções intravenosas. Saiu do pronto-socorro algumas horas mais tarde, sem qualquer alívio, e foi trazida a mim pela mãe e pelo pai, que a essa altura também saiu mais cedo do trabalho para acudir a filha.
Eram 16:30h quando a crise de enxaqueca finalmente aliviou. A paciente estava exausta, desidratada, hipoglicêmica, sonolenta, incapaz de raciocinar.
A única preocupação dela naquele momento era que nesse mesmo dia, por conta da crise de enxaqueca, ela havia perdido uma prova de final de semestre na faculdade, e isso significa que ela iria pegar uma DP (“pegar uma DP” é abreviatura de “pegar uma dependência”. Disciplina em dependência é quando o aluno de faculdade é reprovado em uma matéria e consequentemente necessitará repetir, ou seja, frequentar novamente todas as aulas e refazer todas as provas dessa matéria no semestre/ano letivo seguinte – arcando com todos os custos e tempo envolvidos).
Mediante à preocupação da paciente, pedi a ela que relaxasse e se acalmasse, pois não faria bem se estressar naquele momento (a crise de enxaqueca poderia recrudescer com dor de cabeça forte, desencadeada pelo stress). Expliquei que não havia motivo de se preocupar, uma vez que, tendo atendido a paciente, eu emitiria um atestado declarando e documentando a incapacidade dela, motivada pela doença, de comparecer à faculdade, devendo permanecer afastada não apenas por aquele dia, mas também pelo dia seguinte, uma vez que necessitava se recuperar de todo o processo de desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico e exaustão provocados pela crise (que até então só havia amenizado, não cedido completamente), além de precisar, por mais um dia, fazer uso de certos medicamentos para dor, que provocariam sonolência e tornariam arriscada a sua locomoção e improdutivo seu desempenho.
Qual a minha surpresa quando, na semana seguinte, a paciente me contou que o atestado médico não foi aceito pela faculdade e, conforme ela temia, a ausência dela na prova foi motivo de reprovação na matéria e DP no semestre seguinte.
Mas por que?? – perguntei. – Como assim, “não foi aceito o atestado médico“?!?
Foi quando ela explicou, em lágrimas: “Na minha faculdade, quem recebe, discute e aceita ou não o atestado é o professor. Logo no começo do ano, o professor fala que só aceita atestado médico se for por doença contagiosa ou licença maternidade. Quando eu vim com meu atestado, ele nem olhou e só perguntou o motivo da doença. Quando eu disse o motivo, ele nem pegou o atestado e já foi dizendo que não aceitava e que não abonaria minha falta, nem muito menos faria reposição da minha prova”.
É comum faculdade ou escola não aceitar atestado médico
Infelizmente, a paciente acima não é, nem de longe, a única que atendi e cuja incapacidade atestei, mas cujo atestado médico não foi aceito pela escola ou faculdade. Hoje mesmo, a mãe de uma paciente de 12 anos me contou que estava preocupadíssima pelo fato que a escola da filha (grande, particular e cara, considerada uma “escola muito boa”) não aceita nenhum atestado que ela traz, alegando que somente aceita atestado de doença contagiosa. Semanas atrás, outra paciente teve o atestado médico “indeferido” pela faculdade (também particular), que de novo, alega somente “deferir” atestados por doença contagiosa ou licença maternidade!
Tenho notado que essa moda de escola ou faculdade não aceitar atestado vem se tornando um problema cada vez mais comum.
É um verdadeiro absurdo escola ou faculdade não aceitar atestado
O absurdo está em vários níveis.
- O ambiente escolar e acadêmico DEVERIA servir para fomentar o desenvolvimento, a ética, a inclusão, o respeito às limitações físicas do ser humano. Pois só assim se consegue aplicar a ciência e conhecimento visando formar profissionais e cientistas de caráter, para aumentar a inteligência global.
- O bom senso, o humanitarismo e o amor básico ao nosso semelhante mandam que proporcionemos condições dignas para quem está doente, ainda mais enquanto padece de uma agudização temporariamente incapacitante da doença crônica (assim como uma crise de enxaqueca), a fim de que não se prejudique na sua formação escolar / acadêmica, visando permitir a realização de suas capacidades e o sonho de tornar o mundo cada vez melhor.
- A lei brasileira dá ao aluno o direito de ficar incapacitado por doença, sem que a escola ou faculdade possa discriminar ou causar prejuízo no progresso de seus estudos.
A Lei assegura o direito do aluno incapacitado por doença
Felizmente, na falta do bom-senso e do humanitarismo, existe a Lei para proteger todo e qualquer aluno acometido por doença incapacitante, de abuso e discriminação por parte da escola e/ou faculdade.
Trata-se do Decreto-Lei n° 1044, de 21 de outubro de 1969. Diz ele, em sua íntegra:
OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR , usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e
CONSIDERANDO que a Constituição assegura a todos o direito à educação;
CONSIDERANDO que condições de saúde nem sempre permitem freqüência do educando à escola, na proporção mínima exigida em lei, embora se encontrando o aluno em condições de aprendizagem;
CONSIDERANDO que a legislação admite, de um lado, o regime excepcional de classes especiais, de outro, o da equivalência de cursos e estudos, bem como o da educação peculiar dos excepcionais;
DECRETAM:
Art 1º São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por:
a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes;
b) ocorrência isolada ou esporádica;
c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc.
Art 2º Atribuir a êsses estudantes, como compensação da ausência às aulas, exercício domiciliares com acompanhamento da escola, sempre que compatíveis com o seu estado de saúde e as possibilidades do estabelecimento.
Art 3º Dependerá o regime de exceção neste Decreto-lei estabelecido, de laudo médico elaborado por autoridade oficial do sistema educacional.
Art 4º Será da competência do Diretor do estabelecimento a autorização, à autoridade superior imediata, do regime de exceção.
Art 5º Este Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 21 de outubro de 1969; 148º da Independência e 81º da República.
Aluno com doença incapacitante precisa ter falta abonada
Veja no artigo 1°: “São merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de […] ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por incapacidade física relativa, incompatível com a frequência dos trabalhos escolares […] e ocorrência isolada ou esporádica.
A enxaqueca atende perfeitamente estes requisitos. Veja:
- A enxaqueca é uma doença (sinônimo de “condição mórbida”) crônica na qual podem ocorrer agudizações (as crises);
- As crises de enxaqueca se caracterizam por incapacidade física relativa, incompatível com a frequência dos trabalhos escolares; e
- As crises de enxaqueca possuem ocorrência isolada ou esporádica.
Como assegurar o direito de ter seu atestado médico aceito
Oficialize a entrega do atestado médico
Antes de mais nada, entenda: não é o professor quem aceita ou não seu atestado, mas sim a instituição de ensino (escola ou faculdade). O atestado médico deve ser entregue à administração da escola ou faculdade (muitas vezes a secretaria faz esse papel), e a entrega deste documento (o atestado médico) precisa ser devidamente protocolada pela instituição. Você também uma fotocópia simples do atestado, para que o representante da instituição (a pessoa para quem você entrega o atestado original) carimbe, assine e coloque a data em que recebeu o atestado original (ver parecer do advogado Dr. Renato Sparn, abaixo).
O que fazer se a secretaria ou administração se recusar a receber, seu atestado?
Na improbabilidade da escola se recusar a sequer receber, muito menos protocolar o recebimento, de seu atestado, você deve ir procurar alguém que aceite servir de testemunha (por exemplo, um amigo ou parente) e em seguida retornar juntamente com essa testemunha, solicitando mais uma vez que seja protocolado o recebimento da documentação. Diante da recusa, sua(s) testemunha(s) emitem uma declaração dizendo que na data em questão, presenciaram a recusa da instituição em receber a documentação. Com o atestado e a declaração da(s) testemunha(s) em mãos, procure um advogado.
Em caso de indeferimento do atestado, procure um advogado
Se a escola ou faculdade, após receber o atestado médico de afastamento por crise de enxaqueca, simplesmente se negar a abonar sua falta na data indicada no atestado, você deve procurar um advogado. Munido da recusa da instituição, seu advogado explicará a questão para um juiz, o qual, após a devida análise, poderá obrigar a escola ou faculdade a abonar a(s) falta(s) referentes às datas do atestado. E essa decisão judicial é muito rápida, pois se enquadra num “remédio jurídico” que recebe o nome de “mandado de segurança”, onde é imperativa uma decisão rápida a fim de evitar possível dano irreparável. Claro que essa decisão é, teoricamente, provisória, e poderia ser contestada pela escola/faculdade. Porém, no caso de um atestado médico legítimo de afastamento por motivo de saúde, qualquer tentativa, por parte da escola/faculdade de reverter a decisão inicial seria uma perda de tempo (e dinheiro) para a própria instituição.
No caso de uma doença crônica e potencialmente incapacitante como a enxaqueca, seu advogado pode requerer que o mesmo mandado de segurança possa valer não apenas para esta ocorrência em questão, mas para qualquer futura ocorrência similar – de modo que eventuais futuros atestados médicos referentes a crises incapacitantes de enxaqueca sejam automaticamente aceitos e as respectivas faltas abonadas.
O mesmo se aplica para eventuais provas perdidas por motivo de crise incapacitante de enxaqueca – ou na verdade qualquer problema de saúde que incapacite a realização do exame ou comparecimento à instituição de ensino.
Parecer do advogado Dr. Renato Sparn
Tomei a liberdade de pedir a alguém que considero um excelente advogado, o Dr. Renato Sparn (OAB 287225/SP), que emitisse um parecer que eu pudesse publicar aqui, sobre a questão do que se deve fazer quando uma instituição de ensino se recusa a abonar a falta do aluno, ou reagendar a prova, mediante atestado médico. O Dr. Renato gentilmente respondeu:
Com relação à questão jurídica, meu entendimento é de que, a Jurisprudência Pátria verte no sentido de que o atestado médico é suficiente para comprovar a validar a ausência. Além do próprio Decreto Lei, existem várias decisões neste sentido.
Vejo que, no caso da enxaqueca, exigir que a pessoa compareça à realização de uma prova, é mais agravante do que várias outras doenças. A aplicação de uma prova pela Universidade, tem o condão de avaliar o quanto o aluno aprendeu naquele período de tempo, e em relação à matéria aplicada. Uma pessoa que, por exemplo, tem uma fratura no pé (engessado), tem muito mais condição de fazer uma prova do que uma pessoa em crise de enxaqueca, porquanto a moléstia está intimamente ligada ao campo das ideias, digamos, “dor no cérebro”. Como exigir que um aluno em crise de enxaqueca tenha condições de pensar, de raciocínio, de buscar no seu intelecto – agora doente – as respostas assim exigidas.
Logo, e de acordo com o material anexo, meu entendimento é de que o atestado clínico, é suficiente para justificar ausência.
O remédio jurídico para o caso é a impetração do MANDADO DE SEGURANÇA contra a autoridade universitária.
Sempre protocolar o atestado com cópia, requerendo ciente e data daquele que o recebeu.
Dr. Renato Sparn
A Obrigação do Aluno de Passar na Prova Continua
É importante ressaltar o óbvio: abono de falta ou remarcação de prova não é, em momento algum, sinônimo de “aprovação automática”. Ou seja: a obrigação de ter um bom desempenho nas avaliações continua.
Médico não Pode Dar Atestado Retroativo
É importante saber disso antes de precisar de um atestado: O médico não pode atestar aquilo que não sabe ou presenciou. Por isso, não se pode esperar que o médico ateste retroativamente.
Explico melhor: um pedido do tipo “–Doutor, pode me fazer um atestado dizendo que na terça-feira da semana passada [ou ontem que seja] eu precisei ficar afastado da escola/faculdade por causa de uma crise de enxaqueca?” não pode ser atendido pelo médico, a não ser que ele tenha efetivamente presenciado sua crise incapacitante de enxaqueca. Por isso, não exija do médico o que ele não pode te dar.
A solução é buscar a assistência de seu médico no dia da crise, e não no dia seguinte. Somente assim o atestado médico poderá ser emitido de forma ética e legítima.
2. Se a Escola Não Aceita Seu Atestado, Espalhe e Reclame
Este é um benefício das redes sociais: divulgar más escolas, más faculdades, maus estabelecimentos de ensino que não aceitam atestados médicos legítimos, de falta à aula por motivo de crise incapacitante de enxaqueca. Por isso – e até mesmo para mostrar a todo mundo que enxaqueca não é “frescura” e sim doença (aliás catalogada oficialmente pelo Código Internacional de Doenças – CID-10 – sob o número G43) – você deve divulgar.
E você deve reclamar também! Existem sites especializados, como o famoso Reclame Aqui (www.ReclameAqui.com.br), exatamente com esta finalidade.
Reclamando e espalhando a notícia, você contribui para que esse tipo de abuso por parte de algumas escolas e faculdades não fique sem consequências. Escolas e faculdades, mais que qualquer outra instituição, precisam ensinar, praticar e fomentar o respeito ao ser humano, assim como a inclusão quanto maior daqueles que possam e queiram aprender e desenvolver ao máximo seu potencial.
Com uma boa campanha de conscientização, podemos isolar aquelas instituições que não dão o devido valor à saúde humana. Faça sua parte nesta campanha – divulgue ao máximo.
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Dr. Alexandre Feldman, CRM(SP) 59046
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