Dissecção (Rasgo) em Artéria Deve Ser Suspeitada
Quem sofre de enxaqueca frequentemente se pergunta se, durante uma crise muito forte, alguma veia, artéria, vaso sanguíneo da cabeça, poderia estourar de tanta dor, pulsação, latejamento que em alguns casos chega até mesmo a ser visível e palpável, especialmente na região das têmporas. Já adianto que dissecção da artéria vertebral, sobre a qual você vai ler neste artigo, não é sinônimo de veia, artéria ou vaso sanguíneo que estoura na cabeça.
A resposta para esse temor de que uma veia na cabeça poderia estourar é que, felizmente, a enxaqueca, por mais forte e latejante que seja a dor de cabeça, e por mais saltada que fique aquela “veia” na têmpora (que na verdade não é veia e sim artéria, apesar de tanta gente chamá-la de veia), não pode levar nenhum vaso sanguíneo a estourar (seja ele veia ou artéria).
Por outro lado, é importante saber que existe uma condição clínica que pode afetar uma artéria na cabeça ou pescoço, tanto de quem sofre quanto quem nunca sofreu de enxaqueca, e que pode causar sintomas capazes de confundir com enxaqueca, inclusive com resultados normais de tomografia e ressonância magnética da cabeça. Essa condição clínica é conhecida como dissecção da artéria vertebral.
O Que é Artéria Vertebral?
Artéria vertebral é o nome dado a um vaso sanguíneo que passa pelo pescoço e leva oxigênio e nutrientes para áreas importantes do cérebro. A artéria vertebral é um ramo da artéria subclávia (que recebe esse nome porque se localiza debaixo da clavícula), a qual por sua vez é ramo da artéria aorta que sai direto do ventrículo esquerdo do coração. A artéria vertebral sobe pelo pescoço e penetra na base do crânio através de um orifício que recebe o nome latim de foramen magnum. Logo após, faz uma curva e se une à artéria vertebral do outro lado (portanto são duas artérias vertebrais: a direita e a esquerda) e essa união forma outra artéria que recebe o nome de artéria basilar. Esse sistema comunicante de artérias recebe o nome de sistema vértebro-basilar e é responsável pela irrigação de áreas vitais do cérebro, por exemplo o cerebelo, base do cérebro e lobos occipitais.
O Que é Dissecção da Artéria Vertebral?
Dissecção é um rasgo que ocorre na camada interna da artéria, ou seja, na “parede” da artéria que fica em contato com o sangue circulante. O sangue se infiltra por esse rasgo e se acumula por dentro da artéria, empurrando e diminuindo o espaço por onde o sangue passa, podendo até, em alguns casos, obstruir completamente o fluxo de sangue dessa artéria para o cérebro. (Raramente esse acúmulo de sangue pode chegar a ponto de empurrar a parede de fora da artéria formando uma “bolha” que recebe o nome de aneurisma – mas não é sobre isso que estamos falando aqui)
Qual a Causa da Dissecção da Artéria Vertebral?
A dissecção da artéria vertebral pode ocorrer por uma infinidade de causas. Uma delas pode ser algum evento mecânico precipitante, como hiperextensão ou hiperrotação do pescoço, movimentos bruscos do pescoço, acidente de carro, ficar muito tempo olhando para cima enquanto pinta um teto, tosse, vômito, espirro, e até aula de ioga e manipulação do pescoço durante sessão de quiropraxia (de acordo com artigo publicado em agosto de 1999 no Journal of Neurology, volume 24, número 8, páginas 683-688, uma em cada 20 mil manipulações quiropráticas pode resultar em dissecção da artéria vertebral). Até mesmo gripes e resfriados são considerados fatores de risco para dissecção de artéria vertebral (e carótida), sugerindo uma possível influência microbiana (Archives of Neurology, julho de 1999, vol. 56 número 7, páginas 851-856). Outros fatores de risco são tabagismo (fumo), pressão alta e uma série de doenças genéticas com as quais, portanto, algumas pessoas já nascem. Encontrei dois estudos, do tipo caso-controle (portanto não conclusivos), sugerindo que enxaqueca também poderia ser fator de risco para dissecção de artéria vertebral (Headache, outubro de 1989, volume 29, número 9, páginas 560-561; e Neurology, 13 de agosto de 2002, volume 59, número 3, páginas 435-437). É como se quase tudo nesse mundo fosse um potencial fator de risco para dissecção da artéria vertebral. Em verdade, a dissecção da artéria vertebral é considerada um evento aleatório e imprevisível, que pode ocorrer espontaneamente ou em consequência dos mais variados movimentos bruscos ou exagerados do pescoço. O que nos leva à necessidade de olhar com mais cuidado para os possíveis sintomas.
Quais os Sintomas da Dissecção da Artéria Vertebral?
Os sintomas são diversos e dependem 1) se a dissecção ocorreu antes ou depois da entrada da artéria no crânio, e 2) do grau de obstrução no fluxo de sangue pela artéria.
O tipo mais perigoso de dissecção é aquele que ocorre após a entrada da artéria no crânio, pois é o que tem mais chance de resultar num acidente vascular cerebral (abreviado AVC), que pode se manifestar por uma hemorragia interna, com risco de vida e de sequelas.
A alteração da parede interna da artéria, causada pela dissecção, pode levar à formação de coágulos que podem ser levados pelo sangue e se alojar mais adiante, no cérebro, levando a uma falta de sangue e oxigênio na área cerebral que deveria ser suprida pela artéria que entupiu. As células dsse tecido cerebral sem suprimento sanguíneo entram em sofrimento e podem até morrer. A esse processo dá-se o nome de isquemia (AVC isquêmico).
A hemorragia e a isquemia são eventos clínicos catastróficos que levam o paciente ao hospital, onde o diagnóstico é realizado através de exame de imagem.
Porém, a maioria dos demais casos de dissecção da artéria vertebral pode apresentar um ou mais sintomas como:
- Tonturas
- Vertigens
- Dor de cabeça
- Dor no pescoço
- Barulho, zumbido ou tinido no ouvido
- Náuseas (enjôo)
- Vômitos
- Distúrbios da visão
Portanto, como você pode ver claramente, os sintomas de dissecção da artéria vertebral podem se confundir com aqueles da enxaqueca (leia ESTE ARTIGO e também ESTE, sobre sintomas da enxaqueca para conferir).
Como Suspeitar e Diagnosticar Dissecção da Artéria Vertebral
O primeiro e principal requisito para diagnosticar dissecção da artéria vertebral é a suspeita clínica. Para isso é necessário um médico astuto o suficiente para suspeitar desse problema e não atribuir os sintomas, por engano, a uma enxaqueca.
Quando o paciente (especialmente adulto jovem na faixa de 30 a 45 anos) nunca sofreu de enxaqueca e procura o médico reclamando do surgimento, há pouco tempo (ex: 1 mês ou poucos meses) de um ou mais dos sintomas acima, é necessário que uma das hipóteses diagnósticas seja dissecção da artéria vertebral.
Quando o paciente já sofre de enxaqueca, a suspeita clínica de dissecção da artéria vertebral pode se tornar muito mais difícil, dependendo dos sintomas que o paciente já apresenta – e sempre apresentou – normalmente. Tontura, por exemplo, é sintoma bastante comum da enxaqueca – e se o paciente sempre teve o mesmo padrão de tontura acompanhando sua enxaqueca (dentro ou fora das crises), eu não daria peso a essa tontura a ponto de levantar uma suspeita clínica de dissecção da artéria vertebral. Mas se o paciente nunca teve tontura associada à sua enxaqueca e passou a apresentá-la recentemente, ou então se o padrão de tontura que esse paciente sempre teve sofreu alguma modificação recentemente, eu levantaria, neste paciente portador de enxaqueca, a suspeita clínica de dissecção da artéria vertebral. O mesmo se aplica para os demais sintomas, como zumbido no ouvido etc.
Uma vez levantada a suspeita clínica, o diagnóstico pode ser confirmado (ou descartado) através de um exame chamado angiografia por ressonância magnética (também conhecida por angioressonância) da cabeça. Neste exame é feito um estudo detalhado de imagem com ênfase nos vasos sanguíneos, especificamente as artérias da cabeça e pescoço. Outros tipos de angiografia, sem ser por ressonância magnética, também existem e podem ser realizados, de acordo com particularidades ou necessidades individuais.
Uma rápida observação: você poderá estranhar que, no início do artigo, explico que a dissecção da artéria vertebral não aparece em exames como a ressonância magnética, e agora acabo de falar em ressonância magnética como o exame preferido para diagnosticar dissecção da artéria vertebral. Esclareço: é que existe uma grande diferença entre “ressonância magnética” e “angiografia por ressonância magnética“. Portanto, fazer uma ressonância magnética não é a mesma coisa que fazer uma angiorressonância, necessária para diagnosticar dissecção da artéria vertebral.
Qual o Tratamento da Dissecção da Artéria Vertebral?
Uma vez diagnosticada a dissecção da artéria vertebral, o médico orienta o paciente para mexer o quanto menos o pescoço (portanto não dirigir, não praticar esportes e nada que envolva mexer muito o pescoço).
A boa notícia é que a maioria das dissecções da artéria vertebral sara sozinha em questão de 6-8 semanas, desde que o paciente movimente o quanto menos o pescoço durante esse período, conforme orientação médica.
Ao médico a cargo do paciente, cabe observar a evolução clínica e radiológica, bem como receitar anticoagulante por vários meses ou até mais que isso, pois assim previne-se a formação dos coágulos descritos anteriormente.
Alguns casos (minoria), no entanto, podem requerer intervenção cirúrgica para consertar a artéria rasgada. Esse procedimento pode, nos dias atuais, ser realizado por dentro da artéria, sem necessidade de grandes cortes, ou de “abrir a cabeça” (ou pescoço) do doente para resolver o problema.
Conclusão:
A dissecção da artéria vertebral é uma condição clínica que, se diagnosticada, pode salvar a vida do paciente. É necessário que o médico conheça e saiba quando levantar a suspeita de dissecção da artéria vertebral em seus pacientes (se você é médico, leia esta revisão publicada em março de 2001 no The New England Journal of Medicine, de autoria do neurocirurgião Wouter I. Schievnik, intitulada Spontaneous Dissection of the Carotid and Vertebral Arteries, N Engl J Med 2001; 344:898-906), especialmente aqueles que sofrem de enxaqueca, pois os sintomas de enxaqueca podem, em alguns casos, ser semelhantes àqueles da dissecção da artéria vertebral.
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