Cefaleia em Salvas – Anatomia do Sofrimento
Leia abaixo o relato detalhado de uma crise de cefaleia em salvas. Se você se identificar com o relato, volte aqui e clique neste link para conhecer mais sobre cefaleia em salvas.
Ao cabo de um período de várias horas, durante as quais me sinto eufórico e exultante, experimento uma sensação de plenitude nos ouvidos, um pouco mais no direito que no esquerdo, com uma característica não diferente daquela que ocorre durante uma descida num elevador rápido ou num avião.
Em seguida me dou conta de um vago desconforto na região da base do meu crânio. A sensação de plenitude também passa a irradiar-se para lá. Depois, ela estende-se para toda a cabeça, dos dois lados, embora mais intensamente à direita.
A essa altura, dois ou três minutos se passaram. Aparentemente pouco tempo, porém o suficiente para eu me dar conta de que, de fato, uma salva começou, e vai com certeza piorar.
Tal previsão me causa um dilema no tocante à decisão entre continuar minhas atividades ou cancelar meus planos e encontrar um lugar onde eu possa ficar sozinho.
Eu me apercebo estar dando ouvidos às alterações em minha cabeça. Estará a salva abortando-se prematuramente? Vai progredir? Vai continuar do jeito que está?
Uma repentina punhalada, muito fugaz, atinge minha têmpora. E mais uma. A região do topo do meu crânio, e de meus molares superiores. Sempre do lado direito. Outra punhalada ocorre, dessa vez nas profundezas da base do meu crânio, e rapidamente muda sua localização para uma pequena área acima de minha sobrancelha.
A dor vai aumentando
Minha narina está entupida e escorrendo simultaneamente. Eu sinto que, se pudesse espirrar, minha crise iria embora. Mas, não importa o que eu faça, vejo-me completamente incapaz de induzir o espirro.
Enquanto as punhaladas vigorosas continuam dessa maneira, uma crescente dor “surda” vai tomando conta da região do olho e da têmpora, ocupando a área de um palmo. Essa área vai gradualmente se estreitando, ao mesmo passo em que a intensidade da dor vai se magnificando. Percebo estar inclinando meu pescoço para baixo, levemente, como se minha cabeça estivesse sendo discretamente empurrada de trás. Meu pescoço, na região da base do crânio, encontra-se enrijecido. A sensação é a de estar usando um colar cervical. Sinto-me obrigado a tirar a gravata e afrouxar o colarinho, mesmo sabendo que isso na verdade não me trará o menor alívio.
Na tentativa de alterar esse desconforto persistente, deixo minha cabeça cair entre as pernas, sentado. Meu rosto e meus olhos parecem encher-se de água, no entanto a dor permanece inalterada.
Apesar de meu bronzeado, ao olhar no espelho, uma face lúgubre, pegajosa e pálida perscruta em retorno. Minha pálpebra direita encontra-se levemente abaixada, e o branco desse meu olho encontra-se mapeado por muitos vasos vermelhos, dando a ele uma coloração geral rósea.
Por sentir dificuldade em ficar no mesmo lugar por muito tempo, deixo o espelho para continuar minha alternância de andar e sentar.
A cefaleia em salvas em seu grau máximo de dor
Como de costume, encontro-me dominado pelo temor adicional de que a dor nunca passará. Contudo, eu descarto completamente essa possibilidade, uma vez que, se fosse esse o caso, eu certamente me mataria.
A dor, agora localizada em algum ponto atrás e acima do meu olho, piora.
Essa dor pode ser melhor descrita como sendo uma “força” empurrando meu olho para fora com poder tão incrível que minha cabeça parece estar se movendo para trás, para produzir resistência. A “força” vai e vem, porém a duração das exacerbações sucessivas parece aumentar. A “salva” encontra-se agora em seu pico, o qual é celebrado por uma torrente de lágrimas do meu olho direito somente. A essa altura, eu me encontro em crise há 35 minutos – e há 10 minutos em seu pico.
Minha esposa dá uma espreitada no quarto onde eu aguento firme. Olho para cima e vejo sua expressão de compaixão, frustração e impotência. Ela vê minha face torturada da mesma forma que eu a vi no espelho pouco antes, no mesmo estado. Boca meio aberta, babando, face acinzentada, molhada de suor num dos lados, uma pálpebra quase fechada, inchada de dor e agonia. Ela fecha a porta e sai, sentindo-se ferida por mim, com raiva pela estupidez da ciência médica, e com sentimento de culpa – uma vez que, bem no fundo de sua mente, encontra-se a suspeita que ela seria a razão de meu sofrimento. Eu solto um grito por ela, mas mais por mim. A dor está tão incrível! De repente, vejo-me dominado por uma fúria. Levanto uma cadeira bem acima de minha cabeça e jogo-a no chão. Com um punho cerrado, esmurro a parede. A dor persiste.
A dor da cefaleia em salvas vai diminuindo
Os períodos de declínio da dor vão logo se tornando mais longos em duração, e eu me permito suspeitar que deixei o pico para trás – mas com cautela, uma vez que já me desapontei muitas vezes.
De fato, a dor está terminando. A descida da montanha de dor é rápida. A “força” foi-se embora. O que permanece é apenas uma dor severa. Meu nariz e olho continuam a escorrer. A estrada de volta, como em qualquer viagem, cobre o mesmo território – só que mais rapidamente. Uma dor em pontada, facilmente tolerável, é sentida e vai-se embora. A dor surda e a sensação de plenitude, a rigidez do pescoço, cada uma vai-se embora, uma por vez, deixando em troca uma agradável sensação de agulhinhas e tachinhas formigando na área de meu couro cabeludo direito – não muito diferente de quando uma perna “adormece”. Desse modo, minha cabeça acorda após um pesadelo de tormento.
Olhos e narinas secas, deixo sair um suspiro. Recolho minha pilha de lenços de papel espalhados por todo o chão, depositando-os num cesto. Coloco a inocente cadeira novamente na vertical, e massageio meu punho levemente machucado.
Tendo terminado a batalha e limpado o campo, abro a porta e entro novamente em meu mundo sem dor – até amanhã.
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