Dor de cabeça tensional é uma dor difusa, nos dois lados da cabeça, em pressão ou aperto, de intensidade leve a moderada, sem enjôo, com duração que pode variar de meia hora a meses ou até anos a fio, e que não pode ser atribuída a nenhuma outra doença.
Dor de cabeça tensional – Quem nunca teve?
Pelo menos nove entre dez pessoas já tiveram ao menos uma dor de cabeça em suas vidas. A grande maioria desses casos se enquadra nos critérios diagnósticos de cefaleia ou dor de cabeça tensional, mencionados acima.
Na verdade, os adeptos ao uso do termo cefaleia tensional diferenciam duas modalidades desta doença.
- A cefaleia ou dor de cabeça tensional episódica, que representa um problema temporário, provavelmente em resposta a algum evento desencadeante específico. Por definição, a cefaleia do tipo tensional episódica pode durar de meia hora a 7 dias. Muitos casos ficariam com essa dor de cabeça ao final de um dia cheio ou um período estressante. Geralmente, esse tipo de dor responde bem a um simples analgésico, uma soneca ou simplesmente a um período de relaxamento.
- A cefaleia ou dor de cabeça tensional crônica, por outro lado, representa um problema mais duradouro, indo além de 7 dias, podendo até mesmo ocorrer todos os dias, por tempo indeterminado. Geralmente, a pessoa acorda com a dor descrita acima, ou começa a senti-la ainda pela manhã.
Dor leve a moderada
Os defensores do termo cefaleia tensional argumentam que essa dor, ao contrário da enxaqueca, ocorre desacompanhada de “premonições”, auras, enjôo, vômitos e outros sintomas comuns da enxaqueca. A dor de cabeça tensional é tipicamente leve a moderada, permitindo ao indivíduo continuar com suas atividades normais. (É importante, porém, lembrar, que a enxaqueca também pode ocorrer sem aura, enjôo e outros sintomas além da dor de cabeça, e que nem toda dor precisa ser forte na enxaqueca.)
Dor em Faixa, Aperto ou Pressão
Tipicamente, a dor de cabeça tensional se localiza em toda volta da cabeça, como se fosse uma faixa ou torniquete comprimindo-a. A dor também pode se localizar na testa e/ou parte de trás da cabeça. Em outras pessoas, a dor pode começar na nuca e ir para a frente, atingindo ambos os lados. Às vezes pode doer mais de um lado que de outro. (Observe que na enxaqueca a dor não é obrigatoriamente de um só lado da cabeça, pode ser “em aperto” e pode assumir as mesmas localizações descritas acima.)
Tensão na nuca, ombros, costas
A exemplo da enxaqueca, a dor de cabeça tensional pode cursar com dor na nuca, nos músculos dos ombros e das costas. Ao exame, podem ser encontrados nódulos de contratura muscular ao longo dessas regiões.
A ocorrência da cefaleia tensional é mais comum quando se trabalha intensamente por vários dias num ritmo alucinante, quando é preciso lutar contra o relógio por causa, por exemplo, de um prazo. A enxaqueca também pode ser assim.
Ou, então, pode aparecer quando se fica muito tempo na mesma posição, principalmente quem escreve, lê ou dirige. Diz-se o mesmo para a enxaqueca!
Normalmente essa dor pode melhorar com a aplicação de compressa fria ou quente na cabeça. Uma boa massagem na nuca pode fazer maravilhas também. Com a enxaqueca não é diferente.
Cefaleia Tensional ou Enxaqueca? Uma grande confusão!
Na minha opinião, o termo cefaleia tensional é muito enganoso. Na verdade, o que se vê são cada vez mais médicos se confundindo com este termo na prática médica do dia-a-dia. Não costumo mais usá-lo, simplesmente porque, na verdade, não sabemos o que cefaléia tensional quer dizer.
Será que é tensão muscular ou emocional?
Será tensão provocada pela dor ou dor provocada pela tensão?
Lê-se e ouve-se muito que o foco principal da dor de cabeça tensional é a tensão nos músculos e o stress. E que o foco do tratamento deve ser o alívio dessa tensão e stress. Mas deve-se ter em mente que estes fatores não são causas, mas sim fatores concomitantes, e/ou desencadeantes. Exatamente como ocorre, também, na enxaqueca! Meu artigo sobre enxaqueca e pescoço explica isso.
Se a causa fosse, comprovadamente, um problema causando tensão anormal nos músculos da nuca, pescoço e/ou têmporas, o diagnóstico simplesmente deixaria de ser dor de cabeça tensional. Passaria a ser a doença que está realmente causando essa tensão. Os próprios critérios diagnósticos oficiais de dor de cabeça tensional exige que ela não se enquadre nos critérios diagnósticos de nenhuma outra doença.
Desequilíbrio neuroquímico
O termo cefaleia tensional é confuso! De fato, é muito mal compreendido, uma vez que muitos médicos (inclusive eu) acreditam que a maior parte das pessoas rotuladas como sofrendo de cefaléia tensional estaria, na verdade, sofrendo de um desequilíbrio químico cerebral semelhante àquele da enxaqueca, e apenas manifestando esse desequilíbrio de maneira diferente.
E mais: as pessoas sujeitas a essas dores podem apresentar períodos de crises muito fortes, do tipo de uma enxaqueca, com náuseas e outros sintomas da doença. Será que essas pessoas teriam, de fato, dois diagnósticos?
Similaridades entre Dor de Cabeça Tensional e Enxaqueca
Da mesma forma que a enxaqueca, é frequente a presença de distúrbios do sono, nos quais o indivíduo não consegue adormecer ou acorda muitas vezes durante a noite, ou, ainda, não consegue se sentir descansado. Essas pessoas, frequentemente, tomam quantidades excessivas de analgésicos, apresentam depressão e vão piorando com o passar do tempo. Puxa… Mas a enxaqueca também é assim!
A maioria das pessoas que procuram ajuda médica e são rotuladas como apresentando cefaleia do tipo tensional começaram com dores de cabeça do tipo enxaqueca.
Em outras palavras, começaram com dores intermitentes e ocasionais, que podiam ser acompanhadas de enjôo, vômitos, aversão à claridade e ao barulho, e podiam até ser precedidas por uma aura.
Porém, passados vários anos, a dor de cabeça desses pacientes foi se tornando cada vez mais frequente. E a maioria dessas dores foi se tornando, em média, menos intensa. Esses pacientes acabam apresentando crises de dor forte entremeadas por dor leve a moderada, diária ou quase diária.
Em outras palavras, às vezes a dor é significativamente severa. Outras vezes, ela é fraca, uma sensação constante de desconforto. Mas, em meio a essas dores leves, é possível apresentar crises fortes e agudas.
“Eu nunca procurei um médico por isso.”
Por outro lado, existe uma multidão imensa de pessoas que apresentam apenas essas dores leves a moderadas. Elas se automedicam com um analgésico e a dor passa em meia hora. Ou nem tomam analgésicos, apenas relaxam, ou dormem, e a dor passa. Essas pessoas vão “administrando” suas dores de cabeça e nunca procuraram ajuda médica. O problema simplesmente não atrai a atenção e preocupação delas.
Antes de acusá-las de agir erradamente, considere a banalização dessas dores de cabeça por parte da mídia. Especialmente pelas propagandas que se lêem e vêem por todo lugar. “Tem dor de cabeça? Tome tal remédio e acabe com seu problema!” Esta é a mensagem simplista e reducionista que é transmitida, absorvida e incorporada na nossa cultura. A tal ponto que o termo “dor de cabeça normal” passou a ser universalmente falado e aceito. Quase ninguém se dá conta que dor de cabeça não é normal. O termo “dor de cabeça normal“ não deveria ser aceito. O normal, afinal de contas, é não ter dor de cabeça.
“Médico? só em último caso!” (só que não)
Para muitas das vítimas dessa banalização da dor de cabeça, o momento de buscar o médico é quando a frequência de dores e analgésicos ultrapassa os limites do razoável. E esse razoável varia muito de pessoa a pessoa. Especialmente nos inúmeros casos em que (aí é que está!) um comprimido de analgésico é tudo o que basta para sumir com a dor em minutos. Nestas condições, duas, três, até quatro vezes por semana podem não ser suficientes para despertar alguém desse estado de “transe”. Um “transe catatônico comportamental” induzido pela cultura da “dor de cabeça normal”. A manutenção dessa cultura é importantíssima para que:
- Quase todas as pessoas continuem se automedicando, “já que o problema é banal“;
- A noção de que “dor de cabeça é um estado de deficiência de analgésico no organismo” seja reforçada e perpetuada;
- A venda livre e desenfreada de analgésicos para dor de cabeça aumente cada vez mais.
Muitas vezes não é a própria pessoa, mas sim os entes queridos dela, que percebem a alta frequência de dor de cabeça e/ou analgésicos. Essa pessoa acaba procurando o médico unicamente por insistência dos amigos ou familiares.
Dor de Cabeça Tensional e Enxaqueca – Mais confusões
Da mesma forma que na enxaqueca, os portadores da assim chamada cefaleia ou dor de cabeça tensional podem apresentar depressão, distúrbios do sono e uso excessivo de analgésicos. Além disso, muitos são capazes de apontar outros membros da família que sofrem de dor de cabeça.
Por muitos anos, o termo cefaleia tensional tem sido utilizado para englobar qualquer dor de cabeça que não se encaixe em outro diagnóstico. Do mesmo modo, o próprio termo “tensional” sugere que a dor de cabeça seja atribuída, em grande parte, a fatores emocionais. Dizia-se que esses pacientes eram indivíduos tensos ou reprimidos, cujas emoções não exteriorizadas provocavam a contração de seus músculos, o que levava à dor de cabeça.
Sabe o que aconteceu quando foi realizado um estudo medindo o grau de contração dos músculos em pacientes com cefaléia tensional e naqueles com enxaqueca?
Os segundos apresentaram maior grau de contratura muscular que os primeiros!
Pessoalmente, acredito que a enxaqueca – e o que se chama por aí de cefaleia ou dor de cabeça tensional – sejam formas distintas de manifestação da mesma doença, compartilhando a mesma origem e o mesmo tratamento. Inclusive no tocante a mudanças de hábito e estilo de vida, conforme explico no meu livro.
Mas se realmente existe essa controvérsia, então por que o termo cefaleia do tipo tensional, popularmente conhecido como dor de cabeça tensional, continua a ser oficialmente adotado e utilizado internacionalmente? A resposta é simples.
É Importante Diferenciar Dor de Cabeça Tensional de Enxaqueca?
Existe um fator de utilidade e praticidade nessa nomenclatura, que é o seguinte.
Pense nos cientistas e pesquisadores, nas universidades do mundo inteiro, que precisam estudar e publicar achados sobre uma doença. Digamos, a enxaqueca. Eles precisam todos estar certos de que estão falando da mesma doença.
Explico melhor: Digamos que para o cientista Fulano, enxaqueca é uma dor que ocorre obrigatoriamente de um dos lados da cabeça. Se for dos dois lados, não é enxaqueca, mas outra doença que ele batizou de Síndrome de Fulano.
Já o cientista Beltrano, do outro lado do mundo, pensa diferente. Para ele, a dor da enxaqueca pode ocorrer tanto de um quanto dos dois lados da cabeça. Mas se existir lacrimejamento durante a crise, então não é enxaqueca, e sim uma nova doença, a Síndrome de Beltrano.
Por sua vez, o cientista Sicrano, nos Estados Unidos, considera que dores de cabeça desencadeadas por fatores emocionais não são enxaqueca.
Cada um desses cientistas realiza e publica estudos com base naquilo que considera ser enxaqueca.
Imagine a bagunça na cabeça dos leitores! Cada publicação se baseou numa definição diferente de enxaqueca. A ciência não progride.
Não seria melhor que todos os cientistas que pesquisam dor de cabeça no mundo se reunissem e chegassem ao consenso? Que ao final dessa reunião, se estabelecesse um critério único e oficial para definir o que é enxaqueca?
Foi exatamente isso o que aconteceu na realidade. E assim, quando lemos que foram estudados pacientes com enxaqueca, temos certeza de que está se falando da mesma doença. De que foram incluídos, nesse estudo, apenas pacientes que preenchem os critérios diagnósticos oficiais de enxaqueca.
E quais são estes critérios? Dê uma rápida olhada, para depois continuar lendo atentamente.
Critérios Diagnósticos Oficiais Para Enxaqueca Sem Aura:
a) Pelo menos 5 crises preenchendo os critérios b-d
b) Dor de cabeça com duração de 4-72h (quando não tratada ou ineficazmente tratada)
c) A dor possui pelo menos duas das seguintes 4 características:
- Localização unilateral
- Latejamento
- Intensidade moderada a severa
- Agravada por atividade física do tipo caminhar ou subir escadas
d) Pelo menos um dos seguintes sintomas, concomitantemente à dor de cabeça:
- Enjôo e/ou vômito
- Aversão à claridade e/ou hipersensibilidade ao barulho
e) Não se enquadra nos critérios diagnósticos de nenhuma outra doença.
Qual o problema dessa definição?
O problema é que, claramente, a enxaqueca é definida pelos seus sintomas, e não pelos seus mecanismos. Até hoje ninguém conhece ao certo todos os mecanismos da enxaqueca. Nem existe um exame que, quando positivo, dê a certeza diagnóstica de enxaqueca. Então a única opção que resta é definir oficialmente a enxaqueca pelos seus sintomas, como se pode ver acima.
O problema fica claro quando os sintomas não se enquadram nos critérios. Quer ver?
Vamos lá: E se a dor de cabeça durar, tipicamente, 73 horas, for bilateral, leve, sem latejamento e não agravada por exercício?
Nesse caso, por definição oficial, não é enxaqueca, e ponto final. Pois enxaqueca, “oficialmente”, dura de 4 a 72 horas, e tem latejamento. Para que todos os cientistas do mundo “falem a mesma língua”, um paciente com essas características não pode ser selecionado para participar de um estudo de enxaqueca.
Tudo certo, muito bem! Mas se este paciente não tem enxaqueca, então o que ele tem?
É aí que entra, para nos salvar, a definição de cefaleia do tipo tensional (popularmente conhecida como dor de cabeça tensional)! Dê uma lida rápida nos critérios diagnósticos, e depois volte a ler com atenção para entender o raciocínio.
Critérios Diagnósticos Oficiais para Cefaleia do Tipo Tensional Episódica Infrequente:
a) Pelo menos 10 episódios de dor de cabeça com intervalo mínimo de 1 ao mês, em média, que preencham os critérios b-d
b) Duração de 30 minutos a 7 dias
c) Pelo menos duas das seguintes 4 características:
- Localização bilateral
- Sem latejamento
- Intensidade leve a moderada
- Não agravada por atividade física do tipo caminhar ou subir escadas
d) Ambos os seguintes critérios:
- Ausência de enjôo e/ou vômitos
- Não mais de um desses dois sintomas: aversão à claridade ou hipersensibilidade ao barulho.
Pronto, tudo resolvido! Esse paciente tem dor de cabeça tensional! A dor dele dura mais de 72 horas e não tem latejamento.
Não é simples? Agora este paciente pode ser estudado pelos cientistas. Ele só não pode ser rotulado como tendo enxaqueca. Mas pode ser incluído nos critérios de dor de cabeça tensional.
Burocracia obrigatória na pesquisa, mas não na prática clínica
Ninguém é a favor de confusão nas pesquisas acadêmicas. Na falta de um mecanismo comprovado, a melhor solução é esta: definir oficialmente a doença pelos seus sintomas, e pronto. Todas as universidades, cientistas e pesquisadores devem seguir esses critérios para uniformizar a linguagem. Nesse contexto, quando um pesquisador afirmar que incluiu pacientes com enxaqueca em seu trabalho, não haverá dúvida, no mundo inteiro, quanto ao perfil desses pacientes.
Porém, no dia-a-dia do consultório, na prática clínica, na militância do atendimento ao paciente com dor de cabeça crônica, é necessário enxergar essas definições dentro do devido contexto.
A falta desse discernimento pode complicar desnecessariamente e até causar prejuízo no tratamento.
A dor de cabeça tensional e enxaqueca são diferentes de quase todas as outras doenças que nós médicos aprendemos. Isso porque a dor de cabeça tensional e enxaqueca ainda não possuem causa universalmente definida, conhecida e comprovada. Sabemos que a causa envolve um desequilíbrio neuroquímico, mas não conhecemos a exata natureza desse desequilíbrio.
Conclusão:
Caberia a quem está ensinando os médicos explicar esses desafios na rigidez da nomenclatura mais claramente. O ensino sistemático de dores de cabeça como enxaqueca e cefaleia tensional era praticamente inexistente antes do século 21. Penso que o mais sensato, a essa altura, seria afirmar que, de certo modo, todos estamos aprendendo. Até que ponto a dor de cabeça tensional e a enxaqueca poderiam, na verdade, ser manifestações diferentes do mesmo desequilíbrio neuroquímico? Ninguém sabe ao certo. O melhor é reconhecermos todos juntos a existência dessas dificuldades, e aplicar o que houver de melhor, mais apropriado e menos agressivo em prol do objetivo que todos nós, médicos, temos em comum: alívio máximo para a dor de cabeça dos nossos pacientes.
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