Pelo menos uma vez por mês, recebo uma pergunta sobre o que acho de um procedimento chamado auto-hemoterapia como forma de tratamento para enxaqueca.
Antes de mais nada, vamos explicar o que é auto-hemoterapia.
Auto-hemoterapia é um procedimento no qual é retirado sangue da veia de uma pessoa, para em seguida re-injetar esse mesmo sangue no músculo da mesma pessoa.
A auto-hemoterapia também pode consistir na extração de sangue seguida de um “tratamento” desse sangue que foi extraído, com substâncias químicas como o ozônio, para em seguida se reinjetar esse sangue na veia.
A auto-hemoterapia não é um procedimento reconhecido pela medicina atual. Claro que isso, em si, não é automaticamente sinônimo de um procedimento ineficaz. Afinal, sabemos bem o quanto fatores políticos e econômicos influenciam estudos clínicos, decisões e diretrizes dos órgãos oficiais e autoridades. Mas no caso da auto-hemoterapia, de fato existem até estudos publicados em revistas médicas no início do Século 20. Existe até um relato de caso, publicado em julho de 1923, no The Journal of Nervous and Mental Disease (vol 58, No. 1, pág 61), tratando especificamente do tópico auto-hemoterapia na enxaqueca. Mas imagine: se até hoje não sabe ao certo a causa da enxaqueca, e se até hoje muitos médicos não sabem sequer o que é enxaqueca, quão fidedigno pode ser o relato de um único caso no ano de 1923, de uma paciente com “enxaqueca acompanhada de urticária”?
Existem relatos antigos sobre a eficácia da auto-hemoterapia no tratamento da dor dermatológica (especificamente herpes zoster), como o publicado em 1949 no Archives of Dermatology vol. 60, No 4, páginas 636-638. Porém relatos como esse são isolados e não foram reproduzidos.
A hipótese por trás da auto-hemoterapia é que, injetando o próprio sangue no músculo, o organismo poderia lançar mão de mecanismos imunológicos (anticorpos, por exemplo) para combater alergias (uma espécie de auto-vacina), infecções, doenças autoimunes e câncer. A auto- foi introduzida na França em 1913 por um francês chamado Ravaut. Mas de lá para cá a ciência progrediu. Conforme analisa o Prof. Evandro Riviti, da Universidade de São Paulo, em seu artigo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia, Vol. 80, No. 6, de 2005, as idéias e técnicas propostas por Ravaut evoluíram para tratamentos imunomoduladores bem mais específicos, como injeções intravenosas de imunoglobulina.
Nem a auto-hemoterapia de Ravaut, e nem as modernas injeções intravenosas de imunoglobulina, se prestariam para tratar enxaqueca, pois não há conexão entre a causa da enxaqueca (um deseuqilíbrio neuroquímico) e processos alérgicos (embora muitas pessoas confundam até hoje suas enxaquecas com alergias ao terem suas crises desencadeadas quase que imediatamente por perfumes, vinhos etc) (mas como todos os que já leram o meu livro sabem, não se deve confundir desencadeantes de enxaqueca com causas de enxaqueca).
A auto-hemoterapia na qual se trata o sangue retirado com ozônio, reinjetando-se, em seguida, esse sangue na veia do paciente, tem sido estudada nos Estados Unidos como alternativa para tentar aumentar o suprimento de oxigênio aos tecidos a fim de ajudar a combater infecções e doenças isquêmicas. Novamente, não há possiblidade de “encaixar as peças” com o tratamento da enxaqueca.
Agora, fica a pergunta: por que alguns portadores de enxaqueca afirmam terem melhorado após a realização de sessões de auto-hemoterapia?
Existem várias possíveis explicações, porém a mais provável na minha opinião é que o agulhamento, e não o sangue retirado/reinjetado tenha provocado a melhora da dor. Afinal, é conhecido e reconhecido pela ciência o poder da acupuntura no tratamento da enxaqueca. Eu mesmo sou testemunha dos excelentes resultados da acupuntura dentro do meu consultório. É possível que o agulhamento, no ato da auto-hemoterapia, tenha, fortuitamente, atingido um ponto de acupuntura, provocando uma diminuição espetacular da dor – porém o mérito desse resultado poderia ser facilmente confundido com o sangue que saiu e entrou no corpo.
Resumindo, não recomendo auto-auto-hemoterapia como forma de tratamento da enxaqueca, pois não possui a menor fundamentação. Sugiro a todos, isso sim, investir em mudanças de hábitos e estilo de vida como as que sugiro aqui mesmo no site enxaqueca, e também no meu livro. Juntamente com isso, existe uma série de tratamentos médicos que não são à base de drogas, mas que possuem eficácia comprovada através de estudos clínicos publicados, como por exemplo a própria acupuntura e uma série de remédios naturais. Na minha opinião, essa ação conjunta (mudanças de hábitos/estilo de vida + tratamento médico o quanto mais cuidadoso e menos agressivo) oferece os melhores resultados.
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