Anticorpos Monoclonais
Um remédio novo para enxaqueca, na verdade uma classe de remédios, recebe o nome de “anticorpos monoclonais”. Os primeiros desses remédios para o tratamento da enxaqueca a entrarem no mercado brasileiro são o Erenumab, nome comercial Pasurta (laboratório Novartis), juntamente com o Galcanezumab, nome comercial Emgality (laboratório Eli Lilly) e o Fremanezumab, nome comercial Ajovy (Teva Farmacêutica Ltda.).
No vídeo abaixo, você pode assistir uma explicação resumida sobre como funciona essa nova classe de remédios. Ou, se preferir, você pode continuar lendo este artigo, cujo conteúdo é uma transcrição deste vídeo.
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Vídeo: O que é e como funciona o remédio novo para enxaqueca com anticorpos monoclonais
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Dr. Alexandre Feldman, CRM(SP) 59046
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O que são anticorpos monoclonais?
Em primeiro lugar, antes de mais nada, você sabe o que é um anticorpo?
Um anticorpo nada mais é que uma proteína em formato de Y, que o ser humano e todos os animais vertebrados com mandíbula fabricam
para neutralizar corpos estranhos.
Esses corpos estranhos recebem, em imunologia, o nome de “antígenos”, e podem ser tanto micróbios como vírus e bactérias, quanto
quaisquer moléculas, ou partes de moléculas, que o nosso organismo reconheça como sendo
estranhos e que, por isso, precisam ser neutralizados de alguma forma.
Quem fabrica o anticorpo é um tipo célula que circula no sangue e no sistema linfático, que recebe o nome de linfócito B.
A sequência é a seguinte: quando o linfócito B entra em contato com o corpo estranho, esse linfócito B é ativado e passa a se chamar plasmócito, e é esse plasmócito quem efetivamente fabrica o anticorpo.
Bom, então o que é “anticorpo monoclonal”?
Monoclonal vem de clone. Clone é um conjunto de organismos que são cópias, réplicas genéticas exatas um do outro. Cada pedacinho do DNA de um é idêntico ao do outro.
Quando uma célula se divide sozinha, sem troca de material genético com outra célula, as células resultantes dessa divisão são clones da primeira célula.
E conforme elas também vão se dividindo, o clone aumenta.
Pense agora num clone de plasmócitos, com exatamente o mesmo DNA e portanto fabricando exatamente o mesmo anticorpo contra um antígeno específico.
Essa coleção de anticorpos idênticos derivados de um único clone de plasmócitos recebe o nome de “anticorpos monoclonais”.
Como um anticorpo monoclonal vira um remédio novo para enxaqueca?
Existe nos neurônios do nosso cérebro e sistema nervoso central uma molécula que é composta por 37 aminoácidos, e que se chama CGRP, do inglês “Calcitonin Gene Related Peptide”, ou “Peptídio relacionado ao Gene da Calcitonina”.
Quando essa molécula de CGRP é liberada pelos neurônios, ela reage com sítios químicos localizados nas células próximas, que recebem o nome de “receptores de CGRP”.
E o que acontece quando o CGRP reage com o receptor dele?
Basicamente, pode causar inflamação e dor.
A ciência descobriu que quando o CGRP é liberado em quantidade maior que o normal, ele acaba tendo um papel fundamental no processo de dilatação dos vasos sanguíneos do cérebro e inflamação desses vasos e de outras estruturas do cérebro, que acontece na crise de dor de cabeça da enxaqueca.
E veja só que interessante: Se você bloqueia de algum modo essa molécula de CGRP,
ou se você bloqueia os receptores onde o CGRP atua,
a enxaqueca vai embora.
Então, por muitos anos, foram sendo estudadas possíveis maneiras de bloquear o CGRP.
GEPANTS (remédio novo ainda não lançado)
Uma dessas maneiras resultou numa classe de drogas chamadas GEPANTS, que funcionam bloqueando o receptor de CGRP. Se você bloqueia o receptor de CGRP, ele não tem mais onde atuar. Sobre essas novas drogas pra enxaqueca do futuro, eu vou falar num futuro artigo.
Anticorpos Monoclonais (remédio novo tema deste artigo)
A outra maneira de bloquear o CGRP que se descobriu foi a fabricação de anticorpos monoclonais contra o CGRP ou contra os receptores do CGRP.
E graças à ciência e tecnologia do século 21, a indústria farmacêutica consegue o feito incrível de obter anticorpos monoclonais em larga escala, contra alvos super específicos, como é o caso dos receptores do CGRP ou da molécula de CGRP propriamente dita.
Esses anticorpos são comercializados na forma injetável e têm como objetivo neutralizar a ação pró-inflamatória, pró-dor, pró-crise de enxaqueca, do CGRP.
Na verdade, a rigor, a indústria não fabrica o anticorpo. Eu disse no começo desse artigo que os anticorpos são fabricados em células vivas chamadas plasmócitos. O que a indústria conseguiu foi isolar um clone de células derivadas dos plasmócitos, conforme você vai ler daqui a pouco; e esse clone de células é quem fabrica um único anticorpo, que é o anticorpo contra o CGRP ou o anticorpo contra o receptor do CGRP, que a indústria isolou com sucesso e comercializa.
E porque esses anticorpos são derivados de um único clone de células, eles recebem o nome de “anticorpos monoclonais”.
O produto farmacêutico final são esses anticorpos monoclonais isolados e purificados, prontos pra injetar.
E porque esses anticorpos foram fabricados não pela indústria química, mas por células, que são organismos biológicos, esse produto farmacêutico recebe o nome de “droga biológica”, “remédio biológico” ou “biofármaco”. Esses são termos que você vai ouvir cada vez mais, daqui pra frente. É pra onde está apontando o futuro de muitos tratamentos em medicina.
Como se obtém um anticorpo monoclonal?
Existe uma imensa variedade de plasmócitos no organismo, cada um deles produz um único tipo específico de anticorpo.
Anticorpos Monoclonais – “Modo de preparo”
- Obtenha Plasmócitos
Então, pra produzir um único anticorpo específico em escala industrial, é preciso primeiro obter uma amostra aleatória de plasmócitos.
- Isole o plasmócito que fabrica o anticorpo desejado.
Em seguida, deve-se isolar dessa amostra aquele plasmócito que fabrica o anticorpo específico que você quer.
- Coloque esse plasmócito em um meio de cultura.
Uma vez isolado esse plasmócito, basta, teoricamente, colocá-lo num meio de cultura pra que se divida e se multiplique, resultando, assim, num clone, num número cada vez maior desses plasmócitos específicos que fabricam uma quantidade cada vez maior daquele anticorpo específico, por exemplo o anticorpo anti-CGRP ou anti-receptor de CGRP.
Só que não!
Na teoria, tudo muito bonito. O problema é que, uma vez fora do organismo, os plasmócitos não sobrevivem em meio de cultura.
Em outras palavras, não tem como cultivar plasmócitos.
A solução encontrada rendeu um prêmio Nobel de medicina, e foi a seguinte: pegar aquele clone de plasmócitos e transformar eles em um híbrido entre plasmócitos e células de câncer.
Células Imortais
Mas como assim, câncer??
Muito simples: é que células de câncer são chamadas “células imortais”, ou seja, essas células conseguem sobreviver, se dividir e se multiplicar sem parar, fora do organismo, num meio de cultura, num laboratório, por tempo indeterminado, eternamente.
A Solução: Células Híbridas
Se esse clone de células híbridas conseguir reter a capacidade do plasmócito de fabricar anticorpo, e da célula de câncer de sobreviver e se multiplicar em meio de cultura por tempo indeterminado, o problema da produção em escala do anticorpo monoclonal está resolvido!
Como é possível fazer isso?
Modo de Preparo – Agora sim!
- Injete, num rato, um antígeno
Primeiro, você pega um rato de laboratório perfeitamente saudável, sem doença nenhuma, e injeta no sangue nesse rato o antígeno contra o qual você quer que ele produza anticorpos.
Nesse caso, injeta-se uma região específica da molécula do CGRP humano, ou do receptor do CGRP humano.
Essa região específica recebe o nome de “determinante antigênico”.
Um único antígeno pode ter mais que um determinante antigênico, então você escolhe qual deles você vai injetar, e injeta no rato aquele determinante antigênico que você escolheu.
- Aguarde algumas semanas
Uma vez injetado o determinante antigênico específico do CGRP humano, ou do receptor do CGRP humano, o sistema imunológico desse rato vai começar a produzir plasmócitos que por sua vez vão fabricar os anticorpos específicos contra esse determinante antigênico.
- Colete o sangue do baço do rato e isole apenas os plasmócitos
Depois de umas semanas, você coleta o sangue do baço desse rato. O sangue do baço tem uma concentração muito maior de plasmócitos. E no meio desse monte de plasmócitos, tem um que fabrica exatamente aquele anticorpo específico que nos interessa.
Mas por enquanto, o próximo passo é pegar todos esses plasmócitos e transformar eles num híbrido entre plasmócitos e células de câncer.
- Transforme os plasmócitos num hibridoma
Hibridoma é o pulo do gato
Para fazer isso, você coloca esses plasmócitos, junto com células de um tipo de câncer de plasmócitos chamado “mieloma múltiplo”, numa solução de polietilenoglicol (Lembra da sigla “PEG”? Você já pode ter lido “PEG-4000” e assim por diante, nos rótulos de cosméticos e até remédios, onde ele é usado como veículo inerte).
Esses plasmócitos normais então se fundem com as células de mieloma múltiplo e se transformam num híbrido de plasmócito com mieloma, que recebe o nome de “hibridoma”.
A diferença é que essas células especiais de hibridoma continuam fabricando os anticorpos originais – e agora elas sobrevivem perfeitamente bem em meio de cultura, se multiplicando indefinidamente e fabricando anticorpos.
Lembre-se que dentre essas células de hibridoma, tem uma que fabrica exatamente aquele anticorpo específico que nos interessa. No caso, o anticorpo anti-CGRP ou o anticorpo anti-receptor de CGRP.
- Isole a única célula de hibridoma que fabrica o anticorpo desejado
O próximo passo agora é isolar essa célula de todas as outras. Para fazer isso, você tem que isolar uma célula por vez, desse monte, e colocar cada uma dessas células, isoladamente, num meio de cultura separado.
Cada um desses meios de cultura vai portanto dar origem a um clone separado de células.
Cada clone produz um único anticorpo, diferente daqueles produzidos pelos outros clones.
Daí você expõe os clones de cada um desses meios de cultura ao determinante antigênico, no caso o determinante do CGRP ou do receptor do CGRP, e testa, faz testes de laboratório do tipo radioimunoensaio e imunoabsorção enzimática, em cada um desses meios de cultura, até encontrar aquele onde a reação dá positiva para produção de anticorpos.
Pronto, esse é o clone certo que produz o anticorpo anti-CGRP ou anti-receptor de CGRP.
Aí está o anticorpo monoclonal
Como esse anticorpo foi produzido por aquele único clone de células, ele recebe o nome de anticorpo monoclonal.
Agora é só cultivar esse clone, deixar essas células irem se propagando cada vez mais e produzindo cada vez mais anticorpos monoclonais.
- Isole só os anticorpos e nada mais
Por último, você precisa isolar esses anticorpos do meio de cultura (pegar só os anticorpos e nada mais), e
- Sirva bem refrigerado
armazenar esses anticorpos em nitrogênio líquido, numa temperatura abaixo de -196°C. Agora esses anticorpos monoclonais estão prontos pra ser vendidos e injetados nos pacientes.
A ideia é esses anticorpos se ligarem no CGRP ou no receptor do CGRP, e assim neutralizarem o efeito do CGRP. Desse jeito, você reduz, teoricamente, a inflamação e a dor de cabeça da enxaqueca.
Deu para entender?
Nomenclatura dos Anticorpos Monoclonais, o Remédio Novo Para Enxaqueca
Anticorpo em inglês é “Antibody”. De “Antibody” deriva a abreviação “Ab”, que é usada internacionalmente. Anticorpo monoclonal em inglês é “Monoclonal Antibody”, e a abreviação é MAb (“M” para “monoclonal” e “Ab” para “Antibody”).
Sempre que um produto farmacêutico for um anticorpo monoclonal, o nome químico dele vai terminar em “mab”.
Então veja só: o primeiro novo remédio anticorpo monoclonal para enxaqueca lançado no Brasil é o Erenumab (nome comercial Pasurta, do laboratório Novartis). O Galcanezumab foi lançado logo em seguida. O Fremanezumab e Eptinezumab devem ser aprovados no futuro.
O Erenumab (que é o Pasurta) é um anticorpo contra o receptor do CGRP. Ou seja, ele ocupa a vaga do CGRP no receptor, e assim neutraliza a ação do CGRP.
Os demais, Galcanezumab (Emgality), Fremanezumab e Eptinezumab, são todos eles anticorpos contra o CGRP propriamente dito.
Uma curiosidade: Lembra que eu expliquei que o plasmócito que foi usado pra fazer o anticorpo veio, inicialmente, do rato?
Quando você pega um rato e expõe esse rato a uma molécula de CGRP de um ser humano, você vai ter como resultado um anticorpo DE RATO, anti-CGRP humano.
Se você pegar esse anticorpo de rato, anti-CGRP humano, e injetar esse anticorpo num ser humano, ele irá neutralizar o CGRP, mas também vai gerar uma reação indesejável do nosso sistema imunológico.
Imunogenicidade
O nosso sistema imunológico vai reconhecer o anticorpo do rato como um corpo estranho e vai começar a fabricar anticorpos contra as estruturas estranhas desse anticorpo. Quanto mais isso acontecer, mais o anticorpo monoclonal é neutralizado e mais o efeito do tratamento vai diminuindo.
Esse efeito recebe o nome de “imunogenicidade”.
Acontece que existe toda uma tecnologia de engenharia genética para modificar esse rato geneticamente, de tal modo que ele produza um anticorpo que se assemelhe ao máximo possível com o anticorpo humano.
Quando esse rato geneticamente modificado produz anticorpos com uma estrutura química 95% igual à do anticorpo humano, a chance de imunogenicidade diminui bastante.
Esses anticorpos monoclonais 95% humanos recebem o adjetivo de “humanizados”, e o nome químico deles termina em “zumab”.
Anticorpos Humanizados
Então só de olhar o nome, já pode concluir que que os anticorpos monoclonais anti-CGRP pra o tratamento da enxaqueca, Galcanezumab (Emgality), Fremanezumab e Eptinezumab, são humanizados.
Anticorpos Humanos
Já se esse rato conseguir ser geneticamente modificado pra produzir anticorpos 100% iguais aos anticorpos humanos, esses anticorpos monoclonais então recebem o adjetivo de “humanos”, e o nome deles vai terminar em “numab”.
Então daí você já pode concluir que o Erenumab (nome comercial Pasurta) é um anticorpo humano.
O Erenumab é um anticorpo anti-receptores de CGRP. Por ser humano, a chance de imunogenicidade nesse caso cai ainda mais.
Eu poderia continuar escrevendo, porque tem muita coisa fascinante e até genial, por exemplo, na tecnologia do hibridoma. Mas a ideia desse artigo é ele ser uma explicação o quanto mais simplificada, para que todos possam entender o que é e como funciona esse novo tratamento da enxaqueca, essa nova classe de remédios, esse remédio novo que são os anticorpos monoclonais.
Eu vou criar um curso mais profundo, online, de enxaqueca, no futuro.
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Em artigos futuros, pretendo explicar as possíveis repercussões desse novo remédio para o tratamento da enxaqueca. Pretendo falar até mesmo de possíveis efeitos colaterais a longo prazo. Pelo menos na teoria, porque até agora esse remédio novo se mostrando extremamente seguro.
E é claro que vou continuar falando muito, aqui no site Enxaqueca.com.br, sobre a influência positiva do estilo de vida no tratamento da enxaqueca.
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