Aneurisma é uma coisa, Enxaqueca é outra.
Certo dia, numa loja, uma vendedora me reconheceu e comentou que a irmã dela havia falecido. Acrescentou que a tragédia se deu devido a um erro médico. “Como assim?“, perguntei. Então ela me explicou que a irmã fazia tratamento médico para uma enxaqueca menstrual. As crises ocorriam uma vez por mês, bem no dia em que descia a menstruação. Eram acompanhadas de enjôo, vômitos, hipersensibilidade à luz (fotofobia) e barulho (hiperacusia). Tinham duração de várias horas. Ela tinha esse problema desde a idade de 15 anos. Um belo dia, aos 34 anos, morreu vítima de aneurisma cerebral.
Veja: Ela interpretou os sintomas da irmã como tendo sido sempre, desde o início, sinais do aneurisma. Lamentou que o médico tivesse errado e confundido o problema, durante 19 anos de tratamento, com uma simples enxaqueca menstrual.
Mas não! Na verdade, não confundiu. Não errou. Fiz questão de explicar a ela. E ao final da explicação fiquei muito contente em notar que tirei um peso da alma dela. Colaborei para eliminar o senso de injustiça e raiva que assolava, já há alguns anos, o espírito dessa vendedora.
A explicação? Muito rápida e simples: O aneurisma simplesmente não se manifesta assim. Dores de cabeça mensais, menstruais, acompanhadas de náuseas, vômitos, fotofobia e hiperacusia são sintomas claros de enxaqueca.
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Acontece que a enxaqueca é uma doença muitíssimo comum. Afeta um grande número de pessoas, cerca de 1 em 5 indivíduos entre 15 e 50 anos. Já que a enxaqueca é uma doença de ocorrência tão comum, tão corriqueira, nada impede, por assim dizer, que um indivíduo sofra de enxaqueca e, ao mesmo tempo, de outras doenças, como no caso em questão.
Ter enxaqueca não aumenta as chances de aneurisma.
Aneurisma e enxaqueca são doenças totalmente separadas, distintas, uma da outra. O aneurisma, infelizmente, quase sempre se manifesta de surpresa, de uma vez só. Leia este artigo sobre cefaleia em trovoada, um possível, embora infrequente, sintoma de aneurisma, a título de exemplo. Já a enxaqueca se manifesta com crises de dor de cabeça e outros sintomas que vão e vêm ao longo de anos. Simplesmente não havia como o médico em questão “adivinhar” a presença de aneurisma, com base nos sintomas de enxaqueca que ele estava tratando naquela paciente.
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Mas não deveria ter sido pedido um exame?
A essa altura, você pode perguntar: “Não teria sido bom fazer exame de angiografia por ressonância magnética em todas as pessoas que têm enxaqueca? Para descartar a chance?”
Pense da seguinte forma: De um lado, não se faz, nem se recomenda, exame para detectar aneurisma na população como um todo. De outro, a chance de uma pessoa com enxaqueca ter aneurisma é a mesma que a de um indivíduo qualquer da população como um todo. Então podemos concluir que não há razão lógica de ficar realizando altos exames para detectar aneurisma num indivíduo com enxaqueca. Repito: não existe, e nem se recomenda, para todas as pessoas da população, nenhum “exame preventivo” de aneurisma. Se a enxaqueca não predispõe ao aneurisma, então não há porque tratar o caso da população de enxaquecosos, de forma diferente do caso da população em geral.
Deve-se pedir o exame apenas quando há suspeita.
Claro que se houvesse alguma dúvida quanto ao diagnóstico ser ou não enxaqueca, então sim, seria totalmente oportuno pedir exames. Todos os exames necessários! Estes, então, serviriam para tirar aquela dúvida. Por esse motivo é muito importante a qualidade da assistência médica que o paciente com dor de cabeça recebe.
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O bom médico, para elaborar um diagnóstico, deve formar um raciocínio baseado em conhecimento abrangente dos sintomas e apresentação clínica das possíveis doenças que precisam ser descartadas. Somente assim, poderá corretamente descartar a possibilidade dessas doenças com a máxima segurança para o paciente.
Não adianta o médico pesquisar aneurisma em todos os pacientes, indiscriminadamente, ao mesmo tempo em que deixa passar outros diagnósticos. Diagnósticos estes que nem sequer cogitou e que poderiam ser muito mais relevantes para aquela apresentação clínica. É por isso que uma consulta médica de qualidade jamais poderá ser substituída por uma mera “batelada de exames”.
É claro que esse pequeno texto não aborda toda a confusão e controvérsia que pode existir sobre esse assunto. Para um conhecimento mais profundo a respeito do assunto, sugiro a leitura do meu livro. Ele possui, ao final, um apêndice dedicado ao aneurisma. Se você quer entender melhor o que é um aneurisma, leia a explicação no meu artigo sobre cefaleia em trovoada. Por fim, se você leu este artigo até aqui, é porque provavelmente tem interesse em outros possíveis eventos catastróficos cerebrais, e portanto poderá apreciar o artigo sobre enxaqueca e derrame ou AVC (acidente vascular cerebral) que escrevi. Confira.
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Dr. Alexandre Feldman, CRM(SP) 59046
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