Cefaleia em Salvas é uma Dor de Cabeça Gigante
Cefaleia em salvas é doença rara, ao contrário da enxaqueca que é muito comum. Ocorre muito mais em homens acima de 30 anos, que em mulheres de qualquer idade. A dor da cefaleia em salvas é sempre de um só lado da cabeça, nunca dos dois, e pode ser muito maior, mais intensa que a da enxaqueca. Outros sintomas compreendem vermelhidão no olho, queda da pálpebra, lacrimejamento e coriza do mesmo lado da dor.
Antes de continuar lendo este artigo, sugiro a você que clique aqui e leia o relato de uma crise de cefaleia em salvas. É forte, é dramático, mas é real, verdadeiro e muito importante.Em seguida volte aqui e continue lendo.
Muito mais forte que enxaqueca
Sim, todos nós sabemos como algumas crises de enxaqueca podem doer. Chegam a ponto de derrubar a pessoa numa cama, prostrada, sem conseguir sequer falar. Qualquer esboço de movimento, qualquer palavra emitida, pode gerar um aumento ainda maior da dor de cabeça.
Sem falar da sensação de peso e latejamento que podem acompanhar a crise de enxaqueca.
Por isso pode ser difícil, à primeira vista, acreditar no que eu vou repetir.
Mas acredite: a dor de cabeça da cefaleia em salvas é muito pior, mais forte, que a crise de enxaqueca.
O mais triste é que estes pacientes muitas vezes ficam sem tratamento adequado por falta de informação.
Por ser uma doença rara, muito poucos médicos já viram um caso sequer. Nem sequer adquiriram conhecimento da cefaleia em salvas na teoria.
Sintomas da Cefaleia em Salvas
- Dor muito intensa, extrema, excruciante, em apenas um dos lados da cabeça.
- A dor nunca acontece dos dois lados da cabeça ao mesmo tempo.
- Pode doer cada lado da cabeça alternadamente, uma crise de um lado e a outra do outro lado.
- Geralmente a dor ocorre sempre do mesmo lado da cabeça.
- A crise não é acompanhada por enjôo (náuseas) ou vômitos.
- A cefaleia em salvas não vem com sensibilidade à claridade ou barulho.
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Na cefaleia em salvas, o olho do lado da dor fica bem vermelho e lacrimeja bastante. Apenas um olho.
- A narina do lado da dor escorre (coriza) e entope (congestão nasal). Apenas uma narina.
- O rosto transpira, brilha de suor, principalmente do mesmo lado da dor.
- O rosto incha, principalmente do mesmo lado da dor, a fisionomia se altera durante a crise de cefaleia em salvas.
- Os olhos incham, especialmente o olho do mesmo lado da dor.
- A pálpebra do lado da dor cai, deixando o olho semifechado ou fechado.
- O paciente não consegue parar quieto de tanta dor. Fica andando de um lado para outro, pode atirar móveis e objetos no chão ou contra a parede, de desespero.
- O paciente pode sofrer traumas e fraturas ao esmurrar, chutar ou bater com a cabeça violentamente em paredes ou objetos.
- O paciente se retira da presença de outras pessoas e se isola. Tudo para que ninguém possa ver a degradação humana provocada pela crise de cefaleia em salvas.
Como é a cefaleia em salvas
- Cada crise de cefaleia em salvas dura entre 30 minutos e 2 horas, diferentemente da enxaqueca que dura entre 4 horas e 3 dias. Podemos afirmar que uma crise de cefaleia em salvas corresponde a 3 dias de crise fortíssima de enxaqueca concentrados em 30 ou 45 minutos.
- Podem ocorrer 3, 4 e até 5 dessas crises de cefaleia em salvas em um único dia.
- A crise de cefaleia em salvas vem com hora marcada. O paciente, quase sempre, sabe especificar precisamente o(s) horário(s) do dia em que sua(s) crise(s) acontece(m). É comum uma delas ocorrer de madrugada, uma a duas horas após o paciente adormecer.
- Depois da crise de cefaleia em salvas, a dor de cabeça pode passar completamente, ou a cabeça pode permanecer dolorida, até a próxima crise.
- As crises de cefaleia em salvas permanecem diárias por um período que varia entre semanas e meses. Em seguida costumam simplesmente ir embora, como se nada tivesse acontecido. Esse período durante o qual as crises ocorrem é conhecido como episódio de salvas, ou período de salvas.
- Cada período de salvas costuma ocorrer na(s) mesma(s) época(s) do ano para o mesmo paciente. Por exemplo, o paciente já sabe que todo mês de janeiro e fevereiro acontece o período de salvas, todos os anos. Em alguns pacientes, os períodos de salvas vêm a cada 2 ou 3 anos. Em outros, mais de uma vez ao ano, quase sempre em épocas pré-determinadas.
- Durante o período de salvas, e apenas durante esse período, o paciente não consegue beber nenhum álcool. Um gole sequer de bebida alcoólica, não importando quão baixo é o teor de álcool, é suficiente para desencadear imediatamente uma crise extra de cefaleia em salvas. Fora do “episódio de salvas”, este mesmo paciente ingere bebidas alcoólicas normalmente.
- Uma minoria dos portadores de cefaleia em salvas não possui períodos de salvas bem definidos, podendo ter crises de cefaleia em salvas a qualquer época, a qualquer momento.
Outras características da cefaleia em salvas:
Antigamente conhecida como cefaleia de Horton, cefaleia histamínica, cefaleia agrupada ou cefaleia em cachos, a cefaleia em salvas é uma doença rara. A dor da cefaleia em salvas é considerada pela medicina como sendo a mais forte dor que existe – muito mais até que a cólica dos rins, muito mais que a dor do parto. É possível que existam no máximo alguns milhares de sofredores dessa doença no Brasil, em contraste às dezenas de milhões de sofredores de enxaqueca. A imensa maioria dos sofredores de cefaleia em salvas está neste momento sem diagnóstico e sem tratamento adequados.
Diferenças entre Cefaleia em salvas e Enxaqueca
- Ocorre muito mais em homens, e enxaqueca mais em mulheres
- Costuma iniciar a partir dos 30 anos, e enxaqueca na adolescência
- Dor sempre de um lado da cabeça, enquanto enxaqueca pode doer dos 2
- Curta duração, 30 minutos a 2 horas, comparado à enxaqueca, 4 a 72 horas
- Comum a ocorrência de várias crises num só dia
- Vários dias ou semanas de crises, entre meses e anos sem dor
- Costuma ocorrer na mesma época do ano
- As crises costumam ocorrer por volta do mesmo horário
- Dor muito mais forte, por incrível que pareça
- Comum ocorrer vermelhidão no olho e coriza junto com a dor
A cefaleia em salvas ocorre muito mais em homens que mulheres. Ao contrário da enxaqueca, que ocorre mais em mulheres que homens.
A idade de início da cefaleia em salvas costuma ser após os 30 anos. Já no caso da enxaqueca, o início costuma ocorrer na adolescência).
A dor da cefaleia em salvas é só de um dos lados da cabeça, nunca dos dois lados ao mesmo tempo. A dor pode mudar de lado numa próxima crise, mas ela jamais ocorre simultaneamente dos dois lados.
A localização mais comum da dor de cabeça da cefaleia em salvas corresponde à área de uma mão espalmada sobre um dos olhos.
Dor violenta
A duração da crise de cefaléia em salvas é curta quando comparada à enxaqueca. Cada crise costuma durar entre meia hora e duas horas. O problema é a intensidade da dor – verdadeiramente esmagadora! Durante a crise, é muito comum o olho do mesmo lado da dor ficar bem vermelho e lacrimejante. Também é comum a narina do mesmo lado da dor ficar escorrendo sem parar. O indivíduo em crise costuma se retirar para um recinto isolado e não consegue parar quieto.
Ao contrário da enxaqueca, onde a pessoa procura ficar o quanto mais quieta e imóvel na hora da dor forte. Durante a crise de cefaleia em salvas, o paciente fica andando para lá e para cá. Senta, levanta e, em alguns casos, atira objetos e até bate a própria cabeça na parede. Por sorte, quanto mais intensa a dor, mais curta costuma ser sua duração. O problema é que a pessoa pode ter várias dessas crises ao dia. É comum apresentar 3 crises diárias, pelo menos uma delas durante a madrugada, atrapalhando muito o sono.
Com hora marcada
A cefaleia em salvas recebe esse nome porque, em geral, a pessoa é acometida por uma “salva” de cefaleias (digamos, 3 crises ao dia, de 40 minutos cada uma, durante 20 dias), seguida por um período sem cefaléias que pode variar de semanas a anos, formando um padrão cíclico que se repete ao longo do tempo, com uma precisão impressionante. Também impressionante é a regularidade dos horários das crises, bem como da duração das mesmas. É comum a pessoa saber dizer exatamente quantos minutos dura cada crise de cefaleia em salvas, bem como o horário exato de cada crise. É a dor com hora marcada!
Isso leva à conclusão que o relógio biológico do nosso cérebro está envolvido na geração desta doença. Na cefaleia em salvas, o relógio biológico provoca, ciclicamente, periodicamente, alterações em neurotransmissores como serotonina, levando às crises de dor. Mas na verdade, não é só um problema do relógio biológico. Existem algumas (bem menos) pessoas com cefaleia em salvas que não têm esse padrão cíclico de ocorrência das crises. O fato é que muito pouco ainda se sabe sobre a verdadeira causa da cefaleia em salvas.
Tratamento da Cefaleia em Salvas
Para Crise
- Inalação de oxigênio a 100%
- Triptanas (ex: sumatriptana, rizatriptana, zolmitriptana)
- Ergóticos
- Lidocaína intranasal
- Corticóides
- Etc.
Para Prevenção
- Verapamil
- Lítio
- Metilergonovina e outros ergóticos
- Certos anticonvulsivos
- Etc.
- Em último caso, tratamento cirúrgico
Oxigênio a 100%
Felizmente, a medicina já sabe tratar a cefaleia em salvas, de modo a controlar a dor. Uma das maneiras de escapar de uma crise de cefaléia em salvas é através da inalação de oxigênio a 100%, durante 15 minutos. Não serve ar comprimido, precisa ser oxigênio. De cada 4 sofredores, 3 obtêm alívio rápido em questão de poucos minutos mediante a inalação de oxigênio, em fluxo máximo, com a máscara bem apertada. É um método que deveria ser mais divulgado, afinal, não envolve drogas e está ao alcance de todos. Mas possui a desvantagem de não prevenir as crises, apenas aliviar a crise que já está acontecendo. Por isso, é preciso, também prevenir as crises.
Atenção: alguns casos de cefaleia em salvas que relatam terem feito inalação de oxigênio e não melhoraram, podem na verdade ter inalado ar comprimido e não oxigênio a 100%. Nem todos os “tubos” são de oxigênio. Outra coisa: se você sofre de enxaqueca e não de cefaleia em salvas, fique sabendo que inalações de oxigênio a 100% são INeficazes para crise de enxaqueca. Não perca seu tempo.
Remédios
Aplicação de anestésicos locais na narina do lado afetado, e medicações como a sumatriptana (nome comercial Sumax) injetável, e outros triptanos (rizatriptana, zolmitriptana) podem ser eficazes até mesmo na via oral. Porém necessitam de prescrição e monitoramento médico, pois via de regra não devem ser tomados por pacientes fumantes, acima de 55 anos, hipertensos e com outros riscos de ataque do coração. Além disso, possuem tarja vermelha no rótulo, significando que a venda somente deveria ocorrer mediante prescrição médica. Portanto não estou “indicando remédios para você”, mas sim informando sobre medicamentos que você pode discutir com o seu médico, na tentativa de tratar sua crise de cefaleia em salvas. Medicações à base de ergotamina e diidroergotamina também podem ser eficazes no alívio da crise de cefaleia em salvas, bem como corticóides.
Também existem medicamentos que podem ser utilizados diariamente, durante cada período de salvas, para prevenção. Em outras palavras, remédios usados para diminuir a frequência, intensidade e duração das crises de cefaleia em salvas propriamente ditas. Destes, a metisergida costumava ser o melhor remédio, mas infelizmente saiu do mercado (leia o obituário da metisergida que escrevi).
Existem hoje remédios como o verapamil (e outros bloqueadores de canais intracelulares de cálcio), lítio, valproato e metilergonovina, entre outros, que o médico prescreve no intuito de espaçar as crises, torná-las mais brandas caso sobrevenham, e mais fáceis de combater. Atenção: não use remédios preventivos sem receita médica, pois necessitam de acompanhamento e monitoramento especializado, sob pena de grave risco à sua saúde. Ademais, tais medicamentos somente deveriam ser vendidos nas farmácias mediante prescrição médica. Para seu próprio bem, não se automedique.
Cirurgia Para Cefaleia em Salvas
Existe até tratamento cirúrgico para cefaleia em salvas, com o objetivo de cortar e interromper a passagem dos estímulos dolorosos em direção ao cérebro. O tratamento cirúrgico é indicado apenas para aqueles casos que não melhoram com o tratamento farmacológico, ou cujas reações adversas aos medicamentos não permitem o tratamento adequado. A cirurgia consiste em destruir as vias neuronais supostamente responsáveis pela dor. O efeito a curto e longo prazo do procedimento cirúrgico para cefaleia em salvas depende de cada caso.
A imensa maioria dos sofredores de cefaléia em salvas são fumantes inveterados. Portanto, quem não fuma está muito menos arriscado a desenvolver essa doença.
Sofrer de enxaqueca não aumenta o risco de sofrer de cefaleia em salvas.
Ao contrário da enxaqueca, o paciente com cefaleia em salvas não consegue identificar fatores desencadeantes de crises – com exceção do álcool. Durante o episódio de salvas, se a pessoa beber, certamente apresentará uma crise logo em seguida. Passado o episódio de salvas, a pessoa pode beber normalmente, que a crise não virá.
Melhorando seus hábitos e estilo de vida
Ao contrário da enxaqueca, a cefaleia em salvas não melhora com dietas ou mudanças na alimentação. Porém vários pesquisadores apontam para a possibilidade de um “conserto natural do relógio biológico” através de tratamentos com exposição a luz bem forte e brilhante ao anoitecer, durante 45 a 60 minutos, durante um período de vários meses. A eficácia desse tipo de abordagem nunca foi comprovada, provavelmente porque tão poucas pessoas devem ter conseguido colocá-la na prática pois a intensidade de luz sugerida é enorme, 5 a 10 mil lux, que não se consegue com a iluminação usual.
No meu consultório, já presenciei aumento da periodicidade (portanto diminuição da frequência) dos episódios de salvas quando o paciente passou a ir dormir uma média de 45 a 60 minutos mais cedo e na escuridão total (persiana, cortina e blackout fechados à noite) todos os dias, seguidos de exposição ao sol da manhã (ou claridade da manhã, caso não haja sol), sem óculos escuros, por outros 45 a 60 minutos, diariamente, por 6 meses a 1 ano.
Normalmente, não se associa a cefaleia em salvas a fatores desencadeantes de ordem emocional. Porém, minha experiência pessoal no tratamento de muitos pacientes com cefaleia em salvas no consultório não me deixa a menor dúvida que existe, em alguns casos, uma associação. Pacientes meus passando por problemas emocionais, ficaram muito mais difíceis de responder a tratamentos antes bem mais eficazes. Técnicas de relaxamento e de controle do stress são recursos eficazes no auxílio do controle de qualquer doença crônica, e a cefaléia em salvas parece não ser exceção.
Você Pode Ajudar
A cefaleia em salvas é uma doença rara, mal diagnosticada, (inclusive tem gente que acha que tem cefaleia em salvas e que na verdade, felizmente, não tem), inadequadamente tratada e a maioria daquelas pessoas que sofrem de cefaleia em salvas, sofre também de imensa carência de informação vital no sentido que a doença de fato existe e não é “fruto da imaginação”, como infelizmente alguns profissionais de saúde acreditam.
Ainda que você, que acaba de ler este artigo, não sofra de cefaleia em salvas, considere a possibilidade de ajudar alguém que sofre dela divulgando o quadro clínico e sintomas da cefaleia em salvas através das redes sociais e de seu blog ou site, caso possua. Nós juntos podemos, assim, criar e manter essa campanha de conscientização da cefaleia em salvas, esta doença rara porém dolorosa, mas que tem controle. Assim poderá fazer um bem imenso a alguém que precisa muito desta informação e deste conhecimento.
(Se você ainda não leu meu relato dramático de uma crise de cefaleia em salvas, clique aqui para fazê-lo agora.)
Informações
Agendamento
Dr. Alexandre Feldman, CRM(SP) 59046
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